Memória e Delírio
«Los locos van libres por las salas y pasillos o por las habitaciones de los hombres, sin que ello inspire el menor recelo de evasión o desorden. Incluso algunos de ellos, pertenecientes a familias distinguidas, acompañan a las visitas, hacen los honores de la casa. Guardan las más suaves formas de cortesía y buena educación.»
Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura é o primeiro romance de António Lobo Antunes que li. O livro, o 14º escrito pelo autor, é composto por 35 capítulos ordenados em 7 partes que se assumem como os 7 dias da criação do mundo. Neste livro que Lobo Antunes classificou como poema, cabe de facto todo o mundo e toda a sua criação, através da viagem interior ziguezagueante entre a memória e a fantasia, empreendida por Maria Clara, numa polifonia de vozes e delírio.
O pai doente nos Cuidados Intensivos serve de pretexto a Maria Clara para ousar entrar em quartos e sótãos proibidos, onde vai recordar a distância do seu pai e fantasiar uma explicação para a ausência deste, onde se vai defrontar com a beleza da irmã que inveja, com a solidão da mãe na cama fria onde o marido não dorme há muitos anos. Lobo Antunes maneja de modo tão inovador a técnica do fluxo de consciência que nos sentimos como o psiquiatra de Maria Clara, tentando descortinar a verdade do delírio, das fantasias que inventámos para gerir melhor a nossa dor e a dor dos outros.
Não é um livro fácil – demorei-me um mês e meio na sua leitura. Todas as palavras são escolhidas a dedo, deliciosas e amargas consoante a circunstância, mas sempre poderosíssimas. A certa altura, podemos até dizer que a escrita de Lobo Antunes se torna penosa pela repetição obsessiva de certas imagens e frases. Mas a vida também é assim, o nosso tempo é marcado pela batuta das nossas obsessões, pelas frustrações que nos venderam, pelas falhas que nos apontaram, pelos afectos que desejámos, pelos polegares no pescoço que nunca se demoraram docemente e nos quais ficámos a cismar precisamente pela sua pressa.
A quase ausência de enredo também não facilita o trabalho do leitor, obrigado a lidar com os delírios de uma menina metida consigo mesma, a perscrutar goivos e freixos, a boina ridícula da avó todas as tardes a caminho do casino do Estoril para apostar mais algumas jóias ou talheres para reaver a riqueza e dignidade de outrora, o passado com cheiro a pobre do pai, os encontros fortuitos da mãe com o motorista no Guincho, a irmã pretendida por todos os homens de rosto enfiado em revistas femininas e telefonemas suspirados.
Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura é o primeiro romance de António Lobo Antunes que li. O livro, o 14º escrito pelo autor, é composto por 35 capítulos ordenados em 7 partes que se assumem como os 7 dias da criação do mundo. Neste livro que Lobo Antunes classificou como poema, cabe de facto todo o mundo e toda a sua criação, através da viagem interior ziguezagueante entre a memória e a fantasia, empreendida por Maria Clara, numa polifonia de vozes e delírio.
O pai doente nos Cuidados Intensivos serve de pretexto a Maria Clara para ousar entrar em quartos e sótãos proibidos, onde vai recordar a distância do seu pai e fantasiar uma explicação para a ausência deste, onde se vai defrontar com a beleza da irmã que inveja, com a solidão da mãe na cama fria onde o marido não dorme há muitos anos. Lobo Antunes maneja de modo tão inovador a técnica do fluxo de consciência que nos sentimos como o psiquiatra de Maria Clara, tentando descortinar a verdade do delírio, das fantasias que inventámos para gerir melhor a nossa dor e a dor dos outros.
Não é um livro fácil – demorei-me um mês e meio na sua leitura. Todas as palavras são escolhidas a dedo, deliciosas e amargas consoante a circunstância, mas sempre poderosíssimas. A certa altura, podemos até dizer que a escrita de Lobo Antunes se torna penosa pela repetição obsessiva de certas imagens e frases. Mas a vida também é assim, o nosso tempo é marcado pela batuta das nossas obsessões, pelas frustrações que nos venderam, pelas falhas que nos apontaram, pelos afectos que desejámos, pelos polegares no pescoço que nunca se demoraram docemente e nos quais ficámos a cismar precisamente pela sua pressa.
A quase ausência de enredo também não facilita o trabalho do leitor, obrigado a lidar com os delírios de uma menina metida consigo mesma, a perscrutar goivos e freixos, a boina ridícula da avó todas as tardes a caminho do casino do Estoril para apostar mais algumas jóias ou talheres para reaver a riqueza e dignidade de outrora, o passado com cheiro a pobre do pai, os encontros fortuitos da mãe com o motorista no Guincho, a irmã pretendida por todos os homens de rosto enfiado em revistas femininas e telefonemas suspirados.
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