domingo, 29 de junho de 2014

Poesia de Ilona Bastos - NEVOEIRO; O POEMA QUE SE SEGUE; COMO SOA O POEMA


Poesia de Ilona Bastos - NEVOEIRO; O POEMA QUE SE SEGUE; COMO SOA O POEMA

 

 NEVOEIRO

 

 Lembrando uma paisagem escandinava
 Desenham-se, além dos vidros da janela,
 Os traços suaves dos ramos de pinheiro,
 Esbatidas manchas de quadro em aguarela,
 Por entre o esbranquiçado frio do nevoeiro.

 Também, mais próxima, desmaiada, a relva
 Se distancia, neutra, na densa neblina,
 E o fundo baço, que esconde o arvoredo,
Envolve o céu e a vida, em leve musselina.

 Só um vulto, esbelto, vem descendo, ledo,
 A longa escadaria, que o nevoeiro adoça,
 E uma gaivota livre, de asas prateadas,
Planando baixo, os seus cabelos roça.

 Agora, vejo as nuvens, rasas e molhadas,
 Correrem, junto à erva, em desfilada,
 Afugentando o véu, os seres, a quieta paz
 Desta atmosfera idílica, encantada.

 Soprando velozmente, vem o vento e faz,
 Agreste, forte, intenso, espantar a magia
 Do nevoeiro imenso, prenhe de mistério,
 Que a manhã cobriu, neste invernoso dia.

Então, no céu, o azul retoma o seu império,
 O sol inunda a relva, a rua, todo o parque,
 Regressam vozes, passos, gente radiosa,
 Da vida, a cor, o brilho, a infinita arte...

 E, na transparência pura, gloriosa,
 Desta pintura bela, perfeita em limpidez,
 Na Natureza rica, na vívida Criação,
 Esboça-se, com espantosa nitidez -

A imagem de Deus - sublime Revelação!

 Ilona Bastos 



Poesia de Cremilde Vieira da Cruz - A força dos Ventos ; Silêncio Amigo


Poesia de Cremilde Vieira da Cruz - A força dos Ventos ; Silêncio Amigo





A força dos Ventos



Havia fogos nos seus medos
 Que exaltavam a cada pensamento
 Entre uma bruma e outra bruma,
 Entre um momento e outro momento.
 Trazia arco-íris nos olhos,
 Mas as cores eram confusas
 E quase profanavam a paisagem
 No percurso daquela viagem
 Sem objectivo,
 Sem qualquer motivação,
 Sem incentivo.
 Passava ao lado dos sóis,
 Cerrava os olhos,
 Não via a musa.
 Escutava uma melodia,
 Mas nunca a entendia
 E ficava boquiaberto,
 Perdido ali no deserto,
 Seus medos por companhia.
 Certo dia,
 Os ventos surgiram
 E tanta força fizeram,
 Que os seus medos levaram.

 Cremilde Vieira da Cruz


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A charrete e a égua - Texto de Cecilio Elias Netto


A charrete e a égua - Texto de Cecilio Elias Netto

 Acreditem ou não, a vida tem o eterno retorno. Trata-se da sobrevivência do belo e do bom. E já está acontecendo.

 Por muitos anos, morei num local distante da cidade, entre chácaras e sítios. No início, nem sequer tinha iluminação pública. E essa não era uma deficiência, mas algo que beirava a bênçãos. Pois, numa noite de temporal intenso, quando tudo amainou, foi-me dada a graça de presenciar um dos mais belos e inesquecíveis espetáculos da natureza. Miríades de vagalumes piscavam luciluzindo uma penumbra de luz azulada. Não precisávamos de postes ou de lâmpadas nas ruas.

O lugar mais próximo para compras era um supermercado que parecia um daqueles armazéns de filmes de faroeste. Com travessão para amarrar cavalos também. Pois havia, sim, quem fizesse compras a cavalo. Certa tarde, vi o moço atlético – morador de uma chácara requintada – sair do armazém com uma grande sacola, amarrando-a na sela junto ao quadril do cavalo e lá se indo a cavalgar. Fiquei com inveja, acho que por minhas lembranças de John Wayne. E, doutra feita, inveja ainda maior, tive-a ao ver, em meio ao pequeno bosque que nos cercava, um garoto – peito nu, de calção, descalço – passando em disparada montando a pelo um garboso garanhão. Senti-me fora do mundo. E enciumei-me daquela visão plena de liberdade.

Chamavam-me de ermitão. E há, ainda hoje, quem pense em homem solitário, recluso, num tempo em que a opção pelo silêncio parece absurda. Como ficar ausente do espetáculo do cotidiano? Como não participar de todas as festas anunciadas? Como suportar a magia do silêncio, se é, o mundo, uma orquestra de ruídos? Nenhum comentário me incomodou ou incomoda, pois foi a escolha que, ainda agora, me pacifica. E não me esqueço de um sobrinho meu, garotinho e morando em São Paulo, que viu, naquele lugar, galinhas ciscando o chão, cavalos pastando. O garoto, excitado como se tivesse visto Papai Noel, gritou para a mãe, chamando-a: «Mãe, mãe… Venha ver a Knor.»Galinhas, ele apenas as vira em propaganda de televisão.

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O REGRESSO DO PANTUFA - Conto Infanto - Juvenil de Avómi (Cremilde Vieira da Cruz)


O REGRESSO DO PANTUFA - Conto Infanto - Juvenil de Avómi (Cremilde Vieira da Cruz)

Recordam-se do Carlinhos, aquele menino que estava muito triste, porque o Pantufa não tinha vindo visitá-lo no ano anterior.....?

 Precisamente no primeiro dia de Primavera, um lindo dia de Março, o Carlinhos acordou com um chilrear encantador. Correu para a janela do quarto, abriu-a de par em par e o que os seus olhos observaram, é difícil de descrever, já que os pássaros eram às dezenas e voavam em todas as direcções: de tal maneira, que por mais que o Carlinhos procurasse, não conseguiu, entre tantos, descobrir o Pantufa.

Ficou extasiado, de facto, com a passarada, mas no fundo continuou triste, porque o Pantufa que tinha por hábito bater à janela do seu quarto, ainda o não tinha feito, o que o levou a concluir que, uma vez mais, não viria visitá-lo.

 Como ainda era bastante cedo, o Carlinhos voltou para a cama, chorando em silêncio. Porém, mal se tinha tapado com o edredão, pareceu-lhe ouvir bater à janela e pôs-se à escuta. Passou um bocado e não voltou a ouvir nada.

 O Carlinhos estava cada vez mais triste, tapou a cabeça, para que os pais não ouvissem os seus soluços, mas acabou por adormecer. Entretanto, sonhou que vivia numa terra muito bonita, circundada dos jardins mais floridos que jamais imaginara, com árvores de várias espécies, carregadas de ninhos de passarinhos, à roda dos quais os pais voavam ininterruptamente.

Quando acordou, pôs-se a relembrar o sonho tão bonito, mas voltou a ficar triste, porque ainda que em sonho, não vira o Pantufa. Estava quase a chorar de novo, quando ouviu umas pancadinhas na janela e, de um pulo, chegou até ela e abriu-a.
- Querido Pantufinha do meu coração, tenho andado tão preocupado com a tua ausência! – exclamou ele com lágrimas nos olhos.

 O Pantufa sorriu, deu-lhe uma bicadinha nas mãos, mas parecia preocupado e distante, não disse nada ao Carlinhos e voltou a voar. O menino, desesperado, seguiu-o com o olhar por algum tempo, atéque o perdeu de vista. Então é que se convenceu que não o veria mais, e chorou desesperadamente.


O Técnico - Texto de Miriam de Sales Oliveira


O Técnico - Texto de Miriam de Sales Oliveira 

Não, esse título está errado. Borges não era só o técnico daquele time, mas, também, seu mais empolgado torcedor. Comia, dormia, vivia e trabalhava para aquela equipe, que, diante de tanta dedicação, era, sem dúvida a melhor daquele Estado do Nordeste.

 Quem não estava muito satisfeita com isso era a Lucinda, mulata bonita, nova, fogosa ,que pouco via o marido e, quando o via era sempre de calções, boné e a camisa do time, geralmente suada e mal cheirosa. Por causa disso ele ,em casa, não estava com a bola toda.

 A boa mulher, que disputava o marido diariamente com 22 jogadores e centenas de torcedores eufóricos, odiava aquele time mais que tudo na vida.

 Há muito que, naquela casa não se praticava os deliciosos esportes de cama e a mulata, no prejuízo, não sabia mais o que fazer para chamar a atenção do marido. Um dia, até vestiu o odiado uniforme do time e, à noite, começou a fazer umas embaixadinhas e uma folha seca, imitando Didi, lendário craque casado com a mulata Guiomar, e, que dizem as boas línguas, tanto era craque no campo como na cama.

 Mas, no caso deste casal, o marido mal a olhou e disse que ela seria um péssimo zagueiro; depois, virou-se e ferrou no sono. Desiludida de conquistar o campeonato, a moça conquistou o goleiro do time, rapazinho calado, tímido, mas, não morto, que cedeu aos seus encantos sem remorsos, nem dor de cabeça; recebeu a bola e pegou todas, que não era homem de frangos.


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O Sherpas - Apresentação e Poesia - ... das brincadeiras perdidas!!!...


O Sherpas - Apresentação e Poesia - ... das brincadeiras perdidas!!!...

Apresentação:

O Sherpas (Manuel Xarepe de seu nome) é uma pessoa que eu conheci virtualmente lá pelos idos de 2004/2005, numa altura em que frequentava um Fórum aberto chamado de Clix e que já deve ter desaparecido. Eu «desapareci» de lá há cerca de 10 anos.

 O que sempre admirei no Sherpas era, para além da qualidade e oportunidade dos seus escritos, a sua constância nas publicações que no tempo de que me lembro eram diárias. Segundo ele, escreve : «... comentários sobre tudo, sobre nada... imagens diversas, o que aprecio, críticas e aplausos, entre outras coisas mais!!!...».

O seu Blogue (Sherpasmania) deve ter mais publicações que a quase totalidade dos blogues que por aí encontro e de quando em vez vou lá dar uma olhada.

A sua poesia, pecando quanto a mim pelo facto de se datar a si mesma (o dia a dia serve-lhe de ponto de partida) tem no entanto uma generalidade e uma generosidade lírica que nos desperta e sendo uma poesia socialmente engajada demonstra que o meu amigo Sherpas prefere a liberdade de deixar correr o seu pensamento, goste ou não quem o lê.

 Devo acrescentar que sou um pouco exigente naquilo que considero ser poesia e que coloco o meu amigo Sherpas e os seus textos em prosa poética versejada. Tenho a certeza que ele não está à espera de outros aplausos e que se basta a si mesmo em termos de satisfação. E isso para mim conta muito... Daniel Teixeira

 

... das brincadeiras perdidas!!!...

 

… quando, por aqui, me encontro,
 casa do meu conforto,
 início da minha vida,
 sonho que tento manter,
 enquanto poder,
 enquanto viver,
 largo do meu sossego,
 sino que já não oiço,
 hábito de muitas décadas,
 na torre da igreja,
 numa vinda,

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COSTUREIRAS E MODISTAS - Texto de Lina Vedes


COSTUREIRAS E MODISTAS - Texto de Lina Vedes 

 Nos anos 40 e até 50, era hábito em minha casa e em muitas da cidade contratarem costureiras duas ou três vezes no ano. Geralmente iam no início do Outono e da Primavera, recebiam pagamento diário, com direito a almoço e lanche. O pronto-a-vestir era nulo ou desconhecido para a maioria dos farenses.

Essas costureiras executavam peças de vestuário íntimo e remendavam o necessário, porque na altura, o principal lema de vida consistia no «aproveitar». O saber remendar era uma arte e lembro-me, da trabalheira que dava, pôr fundilhos em cuecas de homem, ou «seresir» calças de tecido, que se haviam rompido ou gasto com o uso. Hoje, já não se encontra quem faça tais trabalhos.

A mãe tinha uma costureira contratada, que permanecia em nossa casa duas semanas, duas vezes no ano, e contava com a ajuda da avó, da tia e minha, embora as constantes asneiras levassem ao meu afastamento. Já não lembro, se o fazia para me libertar, pois fui sempre adversa a trabalhos de paciência!...

A mãe alertava-me:
 - Como queres casar, se não aprendes a pôr uns fundilhos em cuecas de homem, ou a pregar botões e fazer as casas?
 A nossa costureira Isabel estava separada do marido, por ser maltratada por ele e pela sogra. Chegou ao limite do sofrimento, o que era raro na época, e abandonou a casa e os filhos. Só contactava com eles quando trabalhavam em lugares conhecidos da sogra e com a aceitação dos empregadores. Vivia num quartinho e o que ganhava na costura mal dava para sobreviver. A vida era amarga por não ter os filhos junto dela e porque mulher separada de marido, socialmente, não era bem aceite.

Havia lemas incríveis, considerados exemplares para o bom funcionamento do lar, que sujeitavam as mulheres aos homens.
 As esposas, por norma, eram obrigadas a:
 - Ter a casa sempre arrumada e limpa, fazer ao marido os petiscos de sua predilecção, pondo-lhe tudo na mesa e servindo-o;
 - Nunca saturar o esposo com problemas da vida doméstica e contentar-se com o dinheiro cedido para o sustento familiar;
 - Não irritar nem saturar o homem e se desconfiasse de infidelidade (eram todos), amá-lo ainda mais;
 - Estar sempre disposta às suas exigências matrimoniais;
 - Afastar-se de todas as tentações extra conjugais..



 

sábado, 28 de junho de 2014

Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações - Por Daniel Teixeira - As diferenças da vida


Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações - Por Daniel Teixeira - As diferenças da vida

 Conforme tem sido notório aquilo que me tem interessado neste conjunto de crónicas e de uma forma geral noutros locais e formas onde intervenho, seja sobre a forma de crónica ou simples conversa, mesmo escrita que seja, o que me interessa, repito, é a história contada e feita pelas gentes.

A parte edificada, monumental, de arquivo secular, tem o seu interesse para buscar pontos de referência mas para mim o seu interesse remete-se a isso mesmo, à mera referência, ao apoio ou comparação através do escrito daquilo que é dito e sabendo-se que quem conta um conto acrescente um ponto, serve também para ajustar esses desvios quase naturais.

Cada pessoa tem (ou pode ter) a sua forma de ouvir e depois de contar e uma das minhas preocupações tem sido sempre analisar a divergência entre a «realidade» escrita e a realidade contada, tendo também presente que a realidade escrita contém já em si ou pode conter uma parte de imaginado ou de irrealidade.

Neste diferencial, entre aquilo que terá eventualmente acontecido e aquilo que é contado anos depois e por pessoas diferentes e que normalmente não é considerado científico, existe uma riqueza no imaginado ou na fidelidade que corresponde em grande parte ao desejado, ou seja, corresponde a uma posição ética sobre a realidade.

Eu explico melhor: a aceitação de uma história tal como ela aconteceu (ou terá acontecido) é sinónimo de aprovação dessa realidade, a desaprovação pelo menos parcial leva ao imaginado, à ficção.

Será sempre difícil, senão impossível, aquilatar da existência ou não desse diferencial memorial, do seu volume, das suas características, dos desvios mais prováveis, enfim, é «trabalhar» mesmo numa corda bamba, mas é um trabalho interessantíssimo que nos diz muito sobre a psicologia colectiva.


 

para j.d., com amor e sordidez


para j.d., com amor e sordidez

Recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»

Sexta-feira e sábado são dias de uma felicidade mansa e terna, pelo simples facto de ter um novo suplemento cultural para ler. A breve visita ao quiosque alegra a rotina matinal e de jornal colado ao peito, sigo mais acompanhada para o trabalho ou casa.

 Como todas as pequenas euforias, julgava-me única no seu gozo. Até que um dia viajei para Madrid, juntamente com um livro de Juan José Millás, e conheci a mãe de uma amiga que ficou encantada por hospedar uma portuguesa que lia o referido escritor.

Falou um pouco da obra e vida dele e disse-me que ele publicava uma crónica regular num jornal espanhol (à quarta-feira se a memória não me engana) e que nesse dia acordava sempre muito feliz. «Porque me lembro que é dia da crónica do Millás», completou com um sorriso largo de criança travessa.

 Percebi então que a minha alegria semanal faz parte de um fenómeno mais amplo e partilhado por muitos seres humanos, a saber, a esperança de que a literatura venha de algum modo colmatar a pobreza da realidade. Mas a verdade é que, à excepção das crónicas do Pedro Mexia, encontro nestes suplementos cada vez menos artigos deliciosos de ler. Apesar deste facto algo incómodo, na semana seguinte a expectativa encontra-se novamente renovada e contente. Não há nada a fazer, sou uma tipa optimista e persistente.

 E às vezes, acontecem milagres. A última iluminação veio de uma recensão crítica ao livro recentemente publicado de J.D. Salinger, Nove Histórias. Da autoria de Gonçalo Mira, o parágrafo final, que citarei adiante, atafulhado em punchlines, diagnosticava aquilo que eu busco na próxima leitura, com uma precisão tal que mais parecia uma doença compendiada pelo DSM.

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