O homem que sabia demais - Por Daniel Teixeira
Ele era uma pessoa simples, - foi o que me disse - extremamente simples - acrescentou: quem falasse com ele não se aperceberia nunca que ele sabia demais.
Não o dava a entender espontaneamente nunca e só o fazia, só mostrava que sabia demais, não mostrando que sabia demais, quando para isso era solicitado, quer dizer, quando alguém lhe perguntava uma coisa que como sempre ele sabia.
Nessas alturas ficava conhecido como o homem que sabia muito e nunca como o homem que sabia demais.
Só ele mesmo sabia que sabia demais. E agora eu - acrescentou apontando-me para a peitaça e espetando levemente o dedo indicador entre a quarta e a quinta costela.
Achava que não era delicado estar a dizer que sabia demais, confidenciou-me, mas dentro dele cada vez que algumas pessoas abriam a boca à sua frente num ambiente normalmente intelectualizado ou selecto e pretensamente culto ele sentia remexer dentro de si aquelas odiosas palavras que lhe dançavam no cérebro como flechas prontas em arco retesado: «Grande estúpido, Parvalhão! Grande camelo!» etc. etc.
O «aparecimento» daquelas palavras quando se encontrava em frente ao seu interlocutor e com as quais lutava havia muito faziam-no enrubescer, pigarrear, torcer as mãos e os dedos, contorcer um pouco a face e temia - ó se ele temia e como ele temia - que um dia não conseguisse conter dentro de si aquelas palavras e outras do mesmo género (as etc.etc. acima) que lhe vinham à ideia e que umas e outras se escapulissem cá para fora e fossem ditas.
Seria uma grande bronca, convenhamos, eu como ouvinte desta história e vocês como leitores estaríamos seguramente de acordo se estivéssemos em diálogo.
Mas não estamos...quem dialoga aqui comigo é o Gabriel, o homem que sabe demais.
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