domingo, 30 de dezembro de 2012

Jornal Raizonline nº 203 de 31 de Dezembro de 2012 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - As minhas memórias mais próximas (XXIV) - Menos um ano e mais um ano

 
Jornal Raizonline nº 203 de 31 de Dezembro de 2012 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - As minhas memórias mais próximas (XXIV) - Menos um ano e mais um ano
 
Para os jovens que querem crescer depressa é menos um ano que faltará para que essa idade ideal tenha lugar, independentemente dos aniversários, para aqueles que já ultrapassaram essa fase e se encontram na chamada contagem decrescente é mais um ano, há é que tirar desse ano todas as vantagens que a passagem do tempo traz.

Mais experiência, sobretudo, costuma usar-se muito este termo, numa sociedade que infelizmente não valoriza suficientemente a experiência, mas ao menos aqueles que a vão adquirindo em maior quantidade e qualidade sabem que este argumento os satisfaz plenamente.

A utilização da experiência própria dá-nos a possibilidade de encarar como correntes algumas coisas que espantam outros menos experientes. O nosso «computador» pessoal tem em arquivo dezenas senão centenas de situações equiparáveis ou mesmo iguais àquelas que se vão passando no dia a dia.

Por isso, aqueles que contam com a experiência como aptidão não negligenciável, têm uma couraça mental (por vezes falha a couraça física, mas não se pode ter tudo) à prova de bala.

Alguns filósofos poderiam interpretar esta afirmação como sendo uma forma delicada de se ser inconsciente para além da consciência, mas tudo aquilo que está interiorizado dá a possibilidade de se ter esse luxo: ser aparentemente inconsciente quando de facto se está a ser super-consciente. (Não quis usar o termo «ultra»).

Esta sensação da relatividade das coisas afina-se com o tempo e agora quando foi a história do fim do mundo, calendarizado pelos Maias, salvo erro, isso entrou por um ouvido e saiu pelo outro. No entanto lembro-me que quando era criança apareciam de quando em vez alguns mais velhos tentando desestabilizar a nossa inocência de crianças com essa história do fim do mundo.
 
 
 
 

 
 

Poesia de Mário Matta e Silva - Dois poemas - HOJE NO NEVOEIRO; O NASCER DO FUTURO

 
Poesia de Mário Matta e Silva - Dois poemas - HOJE NO NEVOEIRO; O NASCER DO FUTURO
 
 
HOJE NO NEVOEIRO



Queria ver mais longe
 mais adiante
 e as árvores recortar;
 queria, mesmo aqui, e neste instante
 ver uma andorinha no beiral poisar;
 queria visualizar
ao fundo o casario
 encher as pupilas de azul
 alimentar estes olhos gulosos
 do horizonte e do mar bravio

 
O NASCER DO FUTURO



Há um percurso
 uma linha sinuosa
 obstáculos que contornamos
 espaços que viajamos
 e uma aragem caprichosa
 num devir que desconhecemos.

Há uma linha
 que se perde de vista e se alonga
 um horizonte imenso
 longínquo, extenso
 que a visão persegue
 em cada crepúsculo que venço.

 
 
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Devolvida à noite - Texto de Gociante Patissa

 
Devolvida à noite - Texto de Gociante Patissa 
 
A vivência do homem resumia-se em umas quantas ruas, a da escola, a do serviço, a das refeições em casa da mãe. Esta última saía-lhe agridoce, por serpentear entre o hospital e a casa mortuária, e com isso o embaraço em tomar por rotina o contacto com pesares alheios – confundindo-se a origem de pesadelos esporádicos, entre o caminho ou algum prato indigesto.
 
O ciclo do dia fechava-se faltando poucas horas para o outro. Visto do seu relevo, tudo o resto ficava a norte, noutra margem do século. No dia seguinte, estava outra vez a vida a imitar-se a si própria, nos mesmos caminhos e desencontros. Sorte era não ter de quem se esconder, já que «ofeka yinene ño nda okasi mo lesunga» (o país só é grande se levas a vida com justiça).
 
Numa qualquer noite, ia ele a conduzir devagarinho, o que bem podia ser atribuído à digestão, se não à chatice que era ir para a cama com a bomba de embraiagem na cabeça, agendada que estava a oficina para as primeiras horas da manhã. Quando a amizade com o mecânico aumenta, está na hora de nos desfazermos do carro.
 
Sobre a rotunda do Kulinji, estava uma mulher de dedo em riste, trajo de festa em dia normal de serviço. Não devia ter mais de 25 anos. Parecia ter pressa. Não parecia, tinha mesmo! O homem pára, ela ocupa de imediato o assento do «morto». Obrigada, moço! Vamos, diz, como se estivesse a ser perseguida. São dez da noite. A aflição da rapariga, revelada em fracção de segundos, deixa o homem perplexo, pois contrastava com a harmonia que se auferia do lugar.
 
 
 
 
 

 

AS MALDADES DO URSO ERNESTO - Conto Infantil de Cremilde Vieira da Cruz

 
AS MALDADES DO URSO ERNESTO - Conto Infantil de Cremilde Vieira da Cruz 
 
Havia monstros e monstros nos sonhos do Ursinho Roberto a quem, por ser muito bonito e carinhoso, todos chamavam «Fofinho».
Os pais do Ursinho Roberto, a Ursa Matilde e o Urso Daniel, também eles muito bonitos, tinham um grande orgulho nos seus dois filhos, pois além do Ursinho Roberto, tinham o Ursinho Ernesto, mais velho que o «Fofinho».
 
O Ursinho Ernesto nunca teve os sonhos monstruosos que afligiam o Ursinho Roberto e causavam tanta preocupação aos pais.
 Não havia noite nenhuma em que o «Fofinho» não acordasse numa aflição a chorar e a dizer que havia monstros no seu quarto. Os pais corriam todas as noites para o quarto do filho mais novo, mas nunca encontravam qualquer monstro nem vestígios disso.
 
 O Ursinho Ernesto era também muito bonito, como o irmão, mas era tão maroto e fazia tantas maldades... Passava horas a imaginar e a preparar as partidas que mais tarde iria fazer ao irmão e aos outros ursinhos seus amigos. Os pais pediam-lhe constantemente que se moderasse, mas era tempo perdido, porque a sua imaginação era tão fértil, que inventava as partidas mis mirabolantes, num instante. Porém, nunca passou pelas cabeças da Ursa Matilde e do Urso Daniel, que aquele alvoroço que fazia com que quer o filho mais pequeno, quer eles próprios andassem preocupados, tinha origem nas ideias do Ursinho Ernesto.
 
O quarto do Ursinho Ernesto era mesmo ao lado do quarto do Ursinho Roberto, por isso, o maroto só tinha que sair duma porta e entrar na outra imediatamente a seguir e, pumba..., lá estava ele a fazer uma partida ou mais, ao irmãozinho pequenino e indefeso.
 
 
 
 

 

A GIRAFA CATARINA - Conto de Cremilde Vieira da Cruz

 
A GIRAFA CATARINA - Conto de Cremilde Vieira da Cruz  
 
Há muitos anos, vivia no Jardim Zoológico uma girafa chamada Catarina que era muito presunçosa; olhava para as outras girafas com ar importante, fazia troça de todos os animais que existiam no Jardim e andava sempre com o pescoço muito levantado, para olhar os outros bem de cima.
 
 Certo dia...
- Olá amiga Girafa Catarina!
- Quem és tu, bicho sem graça? Que fazes aqui, onde são os meus domínios?!... - perguntou a Girafa Catarina com ar importante.
 
- Ah, ah, ah!!!... Isso é o que tu pensas! Teus domínios?!... Era o que faltava! Eu nasci aqui, sempre vivi aqui, e daqui ninguém me tira! - exclamou o Ratinho Pingarelho, muito senhor de si.
- O quê?! – Perguntou a Girafa Catarina, muito convencida.
 
 A Girafa Catarina não estava a gostar nada da conversa do Ratinho Pingarelho que, muito bem, dizia que ali nascera.
- Como te chamas, ó bicho insignificante?
- Chamo-me Ratinho Pingarelho.
- Desaparece já daqui, senão não sei que te faço.
 
O Ratinho Pingarelho que era um ratinho atrevido, apesar de pequenino (era pouco maior que uma unha da girafa), não lhe deu ouvidos, mas antes pelo contrário, respondeu-lhe que saísse ela, que ocupava muito mais espaço que ele.
 
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O regresso da velha senhora (Cesária Evora). - Recolha de Helena Emília Bortoloti

 
O regresso da velha senhora (Cesária Evora). - Recolha de Helena Emília Bortoloti 
 
A Cesária Evora foi e é uma mulher extraordinária. Neste texto vamos conhecer uma pouco da história de sua vida e sua trajetória na carreira como cantora.Os seus olhos cantam. São irmãos desavindos - quando um chora, o outro sorri. Morna e coladeira na esquina do mesmo olhar. Sempre foi assim, nos dias de sombra e nos de luz também. Há um brilho especial que ilumina o seu caminho. Já assim era nos tempos em que soltava a voz numa qualquer tasca da cidade do Mindelo, a troco de um cálice de grogue.

Continuou assim, agora que avança com passos tão pesados quanto triunfantes, por alguns dos mais importantes palcos deste mundo. «A tristeza e a alegria são vizinhas», deixa escapar com desconcertante ingenuidade. Sem dar conta, de um sopro, Cesária Evora resumiu os seus sessenta anos de vida. Uma simples frase explica a música que lhe corre nas veias.

Morna e coladeira, tristeza e alegria. Música e sentimento - essências de uma mulher nascida com a voz num véu de ternura. Sina de uma vida feita história, que começa com «era uma vez». Era uma vez uma ilha, uma cara esculpida na rocha, o Porto Grande a abarrotar de navios, um imenso azul a embalar sonhos impossíveis.
 
O querer ficar, mas, ter de partir. A miséria.

 E uma criança a beber os acordes do violino no aconchego do pai: «Quando eu era uma asneira, jeito de dizer criança ele começava a tocar e metia-me entre as suas pernas. Então, eu cantava uns disparates. Não me passava pela cabeça que viria a cantar a sério.»
 
 
 
 

 

Sobre a necessidade da crítica na internet - Por Daniel Teixeira

 
Sobre a necessidade da crítica na internet - Por Daniel Teixeira
 
Temos, como todos sabem, um jornal na Internet e conhecemos ao longo dos anos os mais diversos trabalhos das mais diversas fontes e formas literárias ou alegadamente literárias, assim como conhecemos trabalhos gráficos, fotografia, pintura, desenho e tudo mais que possa eventualmente ser transmitido na forma mais corrente da Net que é a visual.

Sobre rádios e música também temos alguma experiência, temos uma rádio e fazemos os possíveis por acompanhar esse mundo que mais ou menos deturpado nas exigências qualitativas é um mundo um pouco aparte deste contexto de que vamos falar.

Na música, ou na fonografia, e mesmo em vídeos, impera aquilo que o grande mercado compra, o mercado de massa, geral, onde a fusão entre a qualidade e o destaque nem sempre tem lugar, aliás, poucas vezes tem lugar.

O mundo da literatura e da poesia e de outro tipo de trabalhos chamados vulgarmente de amadores, feito por pessoas dedicadas, na sua grande parte, vive ou sobrevive num mercado restrito ou mais restrito, pautado pela amizade ou pelo troco entre si de obras, de uma forma global.

Mesmo aí, entre os amigos e amigos de amigos há sempre o freio financeiro a forçar a escolha daquilo que se compra ou troca. A apreciação, o apoio expresso ou implícito no entanto não tem este problema das dificuldades financeiras e é relativamente fácil dizer que se gosta do trabalho de fulano ou de beltrano.

Ora a Internet, como todos sabemos, é um meio anónimo por excelência, e quando falo em anónimo quero referir que esse anonimato mesmo que não seja global, acaba por permitir ou favorecer o elogio que aqui pode ser chamado sem consequências.

Ora uma crítica negativa e uma crítica positiva, e teremos de ver até que ponto existe crítica quando se faz sobretudo a última, a positiva, é sempre necessária e útil até por razões que não sendo eminentemente didácticas podem vir a adquirir essa função tudo dependendo do grau de aceitação ou negação do criticado.
 
 
 
 
 

 
 

Respondendo à sua pergunta - Por Marcelo Pirajá Sguassábia

 
Respondendo à sua pergunta - Por Marcelo Pirajá Sguassábia 
 
- Com todas essas denúncias comprovadas, o senhor ainda tem esperança de escapar livre?
- Pois é, a palavra é essa: livre. Se eu não tivesse lutado o que lutei contra a ditadura, não haveria imprensa livre. Nem você estaria me perguntando isso agora, seu moço. Me diz uma coisa, quantos anos você tem?
- Trinta e quatro.
 
- Então, olha só, você nem tinha nascido e eu já enfrentava a polícia e quem mais aparecesse pela frente pra que no futuro você pudesse crescer numa democracia, exercendo seus direitos de cidadão. Viu, seu ingrato?…
- O senhor não respondeu o que eu lhe perguntei.
 
- Não estou fugindo da pergunta, não. Você é que é muito insolente em levantar o que quer que seja contra a minha trajetória honrada. O que eu quero dizer é que o povo brasileiro tem essa dívida comigo. Eu mereço ficar livre porque nos anos de chumbo eu arrisquei minha própria vida pela liberdade. Meus torturadores foram anistiados, então é justo que se passe uma borracha sobre possíveis erros meus. Mas esse não é o caso, porque eu nada fiz de errado.
 
- Como o senhor explica as movimentações de dinheiro, o banco envolvido no esquema, as provas contundentes de corrupção ativa, os depoimentos todos…
- Eu caí numa trama sórdida, criada por gente inescrupulosa que não se conforma em não ter entrado para a história deste país como eu bravamente entrei. Gente com o apoio dos poderosos de sempre, que colocam seu arsenal mediático a serviço da calúnia e da infâmia.
 
- E as malas de dinheiro? E as contas no exterior? E os aumentos patrimoniais sem justificativa?
- Isso é tudo baboseira, intriga, joguinho rasteiro que não vai manchar meu nome de jeito nenhum, seu aprendiz de assistente de foca! Por que você não me pergunta sobre a melhor distribuição de renda, o aumento do poder aquisitivo da classe D, os investimentos nas casas populares e nas creches? Heim, heim? Por que não pergunta o que interessa de verdade pro povão?
 
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Poesia de Luís Da Mota Filipe - DO AMOR, DE AMOR!; BASTOU UM OLHAR

 
Poesia de Luís Da Mota Filipe - DO AMOR, DE AMOR!; BASTOU UM OLHAR
 
 
DO AMOR, DE AMOR!
 
 Qual a escrita universal,
 Em tintas multicores,
 Quando em revista ou jornal,
 Faz esquecer guerras e horrores?
 
Do Amor, de Amor!
 
 Que linguagem mais pura,
 Doce, terna e eficaz,
 Se torna em remédio e cura,
 Num grito de Vida e Paz?
 
Do Amor, de Amor!
 
 
BASTOU UM OLHAR
 
 O Verão corria agitado
 Querendo despedir-se de Julho
 E foi ali mesmo, na minha Cidade
 Naquele mesmo bairro
Naquela mesma rua
 Naquele Bar de sempre
 Em mais uma noite…
 …mas diferente de tantas outras
 Uma noite em que bastou um olhar!
 Os bancos altos e coloridos repetiam-se
 Em perfeita harmonia com os tons do balcão
A luz tremula como dantes
 Reflectia-se nos copos habituais
 Mais uma bebida, mais um amendoim Em mais uma noite…
 …mas diferente de tantas outras
 
 
 
 
 

 

Poesia de Materre Artiste - Sens figuré; à quoi bon les titres?; enfin

 
Poesia de Materre Artiste - Sens figuré; à quoi bon les titres?; enfin

 
Sens figuré

Sens figuré
 je suis morte
depuis hier soir
pas au sens figuré
je marchais distraite sur la rue
je me rappelle très bien la scène
plein de monde autour de moi
je faisais des plans pour l’avenir
j’imaginais un monde sans guerre
des fleurs en poussant des pierres
une formule magique pour enrichir
enfin heureuse , pas solitaire
je rêvais...
 
à quoi bon les titres?

s'ils nous enferment dans des petites boîtes
 à l'obscurité infinie
 propre à des penseurs
 des heures perdues
 des sentiments inconnus
 à quoi bon les titres?
 nous n'existons que pour les autres
 sauf pour nous mêmes
 l'être encore humain
 cherche l'adresse de la félicité
 
enfin

je suis le vent
 vingt
 qui s'attache sur le rien car au début
 debout
 le temps était le maître
 mettre
 autant que le soleil qui me brûle à l'envers
 un vers
 
 
 
 

 

sábado, 29 de dezembro de 2012

Poesia de Arlete Deretti Fernandes - Novo Ano à vista; Alquimia-2; Saudade

 
Poesia de Arlete Deretti Fernandes - Novo Ano à vista; Alquimia-2; Saudade
 
Novo Ano à vista
 
«Que a Festa do Encontro de Famílias sirva para aproximar os seres».
Para experimentarem a força do Afeto.
 E que o Ano de 2013 seja um projeto pessoal para tornarmos melhor a nossa vida e a dos nossos Semelhantes.
 Mais um ciclo,
 Mais uma volta em
 Torno da Terra.
 Dar uma volta em
 Torno da terra, é
 Fazer uma viagem
 Longa respaldados
 Pelo Tempo.
 Se eu estiver atenta,
 Observar, analisar,
 
Alquimia-2
 
 Como forte luz que cintila, sinto-te arder.
 Em torno de ti giram meus pensamentos,
 Como a mariposa em volta da lâmpada
 Atraída pelo brilho que me faz aquecer.
 Alento e força me ofereces como o oxigênio
 Que entra em meu sangue e dá-me a vida.
 é um composto de amor, de aroma doce,
 Este que se desprende do riso de tua boca,
 
Saudade
 
 Prende-me às suas garras sem piedade,
 E me sacode, maltrata e quase mata, saudade.
 Sou pássaro que quebra as asas e se
desprende,
 Atirado sem dó, nas represas da corrente.
 Meu canto desaparece, emudece, não mais soa.
 Meus cílios são cachoeiras de lágrimas, regato.
 Meus olhos fecham-se prá tentar esquecer a dor.
 Gotas caem, murmuram.
 Como cristais verdadeiros tinem e se
reproduzem.
 
 
 
 

 

O FLAGELO - Conto de Liliana Josué

 
O FLAGELO - Conto de Liliana Josué 
 
O dia era de chuva causticante, por vezes dolorosa. Batia no chão da rua numa fúria impositiva. Riachos corriam em caudal considerável, procurando ansiosos a valeta que lhes serviria de abrigo.
 A trovoada fazia estremecer os corpos e amedrontar o espírito, como um ralho divino de forte severidade.

O vento atirava o incauto transeunte contra as paredes, ou soprava-o furiosamente para fora do passeio, expondo-o aos caprichos dos automóveis meios cegos, e o negro do céu encovava os parcos rostos que circulavam amedrontados.
 
João abriu a porta já destrancada do escritório; bateu com os pés no tapete num desejo inglório de que a tempestade terminasse ali. Um silêncio pesado espalhava-se por todo o compartimento embora alguns colegas já se encontrassem nos seus postos de trabalho, lembrando personagens de filme fantasmagórico e, uns «bons-dias» , lá iam saindo, a custo, das bocas desmaiadas e sorrisos imbecis.
 
Dirigiu-se ao cacifo, tirou a gabardina creme molhada e salpicada de lama, desenrolou o cachecol vermelho escuro do pescoço e pendurou ambos no minúsculo rectângulo mais parecendo um sarcófago.
 
Era um homem na pujança dos seus quarenta anos. Alto, magro, cabelo quase loiro mas já pouco abundante e estupendos olhos azuis.
 Sentou-se à secretária iniciando o ritual de todos os dias: ligar o computador, olhar a papelada e dar prioridades de execução.
 
O primeiro toque telefónico soou como gargarejo de peru, num alerta para mais um dia espinhoso. Nesse momento, todos na sala, se sobressaltaram por ainda pertencerem ao reino dos vivos.
 Chuva e mau tempo no exterior; chuva de telefonemas, de campainhadas e vozes impacientes. A labuta era tanta que nem tempo havia para engolir um triste café na esperança de mais energia e vontade renovada.
 
Mariana, a sua colega mais antiga, num bem vindo intervalo entre os gritos telefónicos e vozes impacientes do balcão, chamou João denotando apreensão:
- Não via jeito de conseguir falar contigo -. Aproximando-se mais um pouco continuou: - Já ouviste as últimas que ecoaram da sede?
 
 
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Abrâ - Minha Freguesia - A festa de S. Silvestre e alguns dados históricos - Por Arlete Piedade

 
Abrâ - Minha Freguesia - A festa de S. Silvestre e alguns dados históricos - Por Arlete Piedade 
 
Abrâ é a sede da freguesia onde pertence o pequeno lugar onde nasci, no concelho e distrito de Santarém (Portugal), chamado Canal, que dista da mesma, cerca de 3 Kms.
Na nossa pequena aldeia, na altura da minha infância, apenas existiam duas lojas, onde se podiam comprar os alimentos mais básicos de mercearia, bem como panos a metro e linhas e ainda o bacalhau.
 
Havia também um talho e duas tabernas onde os homens se reuniam para beber e jogar os jogos tradicionais. Hoje em dia, já tudo isso fechou e para fazer compras, as pessoas que restam, têm que se deslocar ás aldeias vizinhas.
 
 No entanto, as crianças para irem á escola, tinham que percorrer a pé, pelos campos e matos, a distância que separava as duas aldeias, diariamente. Era também na sede da freguesia que havia e continua a existir, o cemitério para onde se dirigiam os funerais dos falecidos da aldeia, o que era sempre um (triste) acontecimento.
 
 O outro acontecimento que marcava a pacatez da pequena aldeia, era a festa anual em honra do padroeiro S. Silvestre, a quem é dedicada a pequena capela, que remonta a alguns séculos. Não se sabe quantos exactamente, mas no início do século XIX, já a mesma existia, pois há uma história que conta como os cavaleiros franceses, quando das invasões francesas, queriam usá-la como cavalariça, para os seus cavalos, que no entanto sempre se recusavam a entrar, ajoelhando á porta, devido ao facto de ser o S. Silvestre o padroeiro e protector dos animais.
 
Era uso e tradição, ainda na minha infância e juventude, os donos de rebanhos de animais, virem com eles dar a volta á capela, e em seguida pagarem as suas promessas, em dinheiro, géneros ou figuras de cera, durante as festas dedicadas ao S. Silvestre, que duravam do dia 31 de Dezembro ao dia 3 de Janeiro. Actualmente já não têm lugar, devido ao reduzido número de habitantes.
 
«Natural de Roma, São Silvestre foi papa e governou a Igreja de 314 a 355 d.c., ano em que morreu, exactamente no dia 31 de dezembro. A Igreja Católica escolheu esta data para canonizá-lo.
 
 Em seu pontificado, São Silvestre estabeleceu novas bases doutrinais e disciplinares colocando a Igreja em um novo contexto social e político. Ocorreu o entrosamento entre o clero e o Estado. Com o edito de Milão, o cristianismo passou a ser a religião oficial do Império Romano, na época governado por Constantino Magno. Com essa aliança, os cristãos puderam professar abertamente sua crença e a Igreja saiu de um período de perseguição que já se arrastava por 300 anos.
 
 
 
 
 

 

Coluna de Manuel Fragata de Morais - Luís Kandjimbo - O Artesão de fogareiros

 
Coluna de Manuel Fragata de Morais - Luís Kandjimbo - O Artesão de fogareiros 
 
O homem tinha um rosto magro. Imberbe, sempre luzidio e suado. Uma armadura dentária irregular, possuída pela nicotina de tabaco ambundu. Apresentava uma deficiência no pé esquerdo. Pisava o chão com o calcanhar.
 
Atraía a simpatia dos alunos que todos os dias, quando saíam da escola, à mesma hora encaravam a sua hilariante figura. O homem que passava com fogareiros. Os rapazes admiravam a sua capacidade criativa gravada naqueles objectos utilitários.
 
Por isso, lhe chamavam kapuka numa comparação com um verme predador de cereais que construía o seu próprio casulo e se deslocava fazendo contracções em movimentos sobre a superfície das folhas.
«Olha o tio Kapuka», apupavam os miúdos.
 Quando começou a fazer aquele novo trajecto, arremessava-lhes pedras. Tudo foi mudando até que se tornou amigos deles. Acontecia às vezes o negócio não corria bem.
 Lhes disparatava.
 «Tio Kapuka», dizia um garoto.
 «Dos fogareiros», respondiam os outros em coro.
 E ele parava. E uma algaraviada pronunciava impropérios obscenos.
 «Néfè ya nyoho. Tupa lya só».
 
Nas vezes que ganhava dinheiro suficiente nas suas vendas ambulantes, passava bêbado. Falava como se tivesse água na boca. Trajando calças inundadas de remendos cosidos à mão na estatura de assim – assim, como chapéu, calçado do lohakus, carregava ao ombro um avara em que pendiam o saquito do farnel a corda de amarrar os fogareiros.

Fazia esse percurso várias vezes por semana, sem contar os desvios para fazer cobranças de dívidas antigas a mulheres que levavam muito tempo a pagar, ultrapassando os prazos de propósito. O artesão chegava a pensar que elas não davam importância às suas necessidades de dinheiro. Um dia foi exigir pagamento imediato a uma dona de casa que no dia da cobrança não tinha.

Já iam muitos dias de adiamentos. Não hesitou em dizer que não saía do quintal, enquanto não pagasse. Ameaçou mesmo: «Se você não me pagar, vou falar no teu marido que te vi nas bananeiras do Tomba dormir com guarda da horta no troco de dois cachos de banana». A dona de casa sentiu a ameaça como se tivesse sido violentamente penhada. Conhecia o atrevimento e ousadia do artesão. Resolveu pagar a dívida.
 
 
 
 

 

Coluna de Manuel Fragata de Morais - Sílvio Peixoto - A RIVAL

 
Coluna de Manuel Fragata de Morais - Sílvio Peixoto - A RIVAL
 
Se alguém alguma vez ouvir falar da minha história, há-de com certeza desculpar-me pela maneira rude e bravia como uso os termos.
 Esta história é um foguete moral dirigido aos corações daqueles que não acreditam no amor, daqueles que são murchos e fechadiços como o Everest. Vou ser breve porque cada minuto que levo em desabafar arruína a sensibilidade interna do meu ser.
 
 Para começar tenho a dizer que nós, as mulheres, somos um violino: a música que emitimos depende de como os homens tocam as nossas cordas musicais, o ritmo suave e pontiagudo do nosso erotismo sensual.
 
 Conheci-o no aeroporto de Luanda, num dia de frio e nublado. Era a encarnação material de todas as ilusões motoras que uma mulher como eu, viúva e não muito bonita podia ambicionar.
 Senti-me violentamente atraída como se eu fosse a epiderme para o seu corpo, como se ele fosse o pulmão para o meu aparelho respiratório.
 
 Sentou-se ao meu lado na sala de espera e saudou-me com uma vénia de gentileza. Respondi-lhe com um monossílabo ininteligível, ao mesmo tempo que sentia o coração feito uma rocha dinamitada cujos fragmentos esvoaçavam pelo meu corpo e obscureciam a vista.
 Apaixonei-me, viúva como era nos meus vinte e cinco anos de vida. Já não usava o negro, é claro.
 
Já no ar, desapertei o cinto de segurança e dispus-me a passear pelo corredor do avião, mais para vê-lo do que propriamente desentorpecer os músculos. De repente ele voltou-se também e nossos olhares se cruzaram, insistentes. Aproximou-se e perguntou-me da viagem. Respondi-lhe que ia bem e deu-me um cigarro.
 
 Quando chegou ao Lubango eu já tinha o seu nome, Eurípedes, e o seu telefone. Sete dias depois rendi-me totalmente à evidência dos factos e começamos a namorar. Ele era o meu Euípedes, eu era a sua Lutércia.
 
 
 
 
 

 
 

Textos poéticos de Joaquim Nogueira - queria expor a totalidade do meu ser; planar; Um até já, meu amor; na verdade, sendo a morte uma certeza; E em ti me eternizo; Seduzir; Amar como o vento

 
Textos poéticos de Joaquim Nogueira - queria expor a totalidade do meu ser; planar; Um até já, meu amor; na verdade, sendo a morte uma certeza; E em ti me eternizo; Seduzir; Amar como o vento   
 
«…queria expor a totalidade do meu ser no teu corpo; deitar-me nele e descansar… esperar a manhã seguinte sem alterar a forma de sentir… vibrar apenas com o facto de me saber em ti pousado ao de leve, de mansinho, como se lá não estivesse… delirar com os teus movimentos e sentir o meu corpo mover-se ao som dos teus… olhar-te os seios e sorrir nos teus mamilos… ver teu ventre quieto, dolente, ali à minha frente… tua sedosa pele em cheiros de jasmim ou de rosa pétala… deixar-me levar pelo teu sonho e pelo teu respirar… ondular… marear… vogar… fluir, ser e estar… e quando do sono o teu ser acordar eu olhar teus olhos matinais e neles me afogar… suster a respiração e desfalecer nos teus braços…»
 
planar
«...acordei nas asas dos teus sonhos e mirei-me nas águas tranquilas do teu mar... senti-me afagado pela ternura dos teus olhos e deixei-me planar no aroma do teu beijo... voei forte do meu norte para o teu colo e sorri vendo teus braços abertos numa espera sedenta de vida... afoguei-me em ti e deixei-me morrer no teu sentir...»
 
«Um até já, meu amor, que por amor se corre e por amor se não percorre... um até já, meu amor, pelas correrias que correste e pelas paragens à minha espera... um até já, meu amor, pelo amor caminhado, pelo amor parado como os dias que correm á nossa frente e nos arrastam irremediavelmente para essa morte... a morte do amor que de amor morreu no dia em que em vez de um até já, me disseste adeus...»
 
 
 
 
 

 
 
 
 

Poesia de Irene Fernandes Abreu - (Macau) - Saudade... o que será?; Inquietude; Olhando o Passado...

 
Poesia de Irene Fernandes Abreu - (Macau) - Saudade... o que será?; Inquietude; Olhando o Passado... 
 
 
 
 Saudade... o que será?
 
 Saudade...
 O que será? não sei e... procurei sabê-lo,
 em dicionários antigos e poeirentos.
 e até noutros livros,
 onde não achei o sentido desta doce palavra,
 de perfis ambíguos.

 Oiça, vizinho,
sabe o significado,
desta palavra branca,
que se evade como um peixe?

 
Inquietude
 
 Coloquei toda a minha alma numa canção
 que cantei para os homens,
 e os homens riram!

 Tomei o meu alaúde, fui sentar-me no topo
 de uma montanha e cantei para os
 deuses a canção que os homens
 não tinham entendido.

 O sol baixava.
 E, ao ritmo da minha canção, os Deuses
 dançaram nas nuvens encarnadas
 que flutuavam no céu».

Li Po (712-770) - (poeta chinês)
 
Olhando o Passado...
 
 Olhando para o passado encontrei
 sentimentos misturados.

 Saudade, amizade, paixão,
 carinho, amor, ternura.
 Vazios de alguns dias, plenitude de outros.

 Lembrei-me de conversas tolas,
dos sorrisos cúmplices, do acto de compartilhar.
 Dos amigos, da família, dos locais da minha infância…

Tentei sorrir como noutros dias,
 mas não consegui parar de pensar,
 no que hoje sou, no que me tornei...
 das lutas, alegrias, desgostos,
E, porque estou tão longe de tudo o que amei?

 
 
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Traduções de Poemas por Fernando Pessoa - Recolhido por Clara Tinoco - Edgar Allan Poe - O Corvo - Tradução - FERNANDO PESSOA (1888-1935) - EDGAR ALLAN POE - THE RAVEN - (1809-1849)

 
Traduções de Poemas por Fernando Pessoa - Recolhido por Clara Tinoco -  Edgar Allan Poe - O Corvo - Tradução - FERNANDO PESSOA (1888-1935) -  EDGAR ALLAN POE - THE RAVEN - (1809-1849)
 
 O CORVO
 
 Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais.
E só isso e nada mais.»
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
«E uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
E só isso e nada mais».
 
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi...» E abri largos, franquendo-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
 
 
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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Histórias sempre possíveis - Crónica de Daniel Teixeira

 
Histórias sempre possíveis - Crónica de Daniel Teixeira 
 
Ser observador e depois cronista de rua tem as suas vantagens e tem, tal como há em todas as coisas, as suas desvantagens. Vivemos hoje, século vinte e um, num mundo que talvez por ser mais explícito, globalmente mais culto, mais conversado, apesar de todos os afastamentos entre as pessoas e mais escrito do que há duzentos ou trezentos anos, vivemos, dizia, num mundo em que o grau de exigência para a observação e para a posterior crónica se refinou quase de forma espontânea: o banal aparece-nos não em meia dúzia de casos mas logo em centenas deles e algumas centenas de casos iguais ou parecidos fabricam a banalidade daquilo que em rigor não é banal, na sua essência.
 
Trata-se de um mundo que requer reflexão sobre ele mesmo, sobre o seu caminho e requer que se saiba bem se somos nós que fazemos os caminhos da banalidade ou se são os caminhos da banalidade que nos fazem, que moldam a nossa observação, a nós, escrevinhadores daquilo que vemos e se passa à nossa volta. E não é sempre fácil discernir entre o banal e o banalizado.
 
A história que vou contar hoje tem como personagens dois vagabundos e tenho receio de aplicar este termo porque em rigor eles são e não são vagabundos. Classificá-los de outra forma contraria essas outras formas porque na verdade eles vagabundeiam durante o dia embora se saiba que vivem num velho barco acostado algures num desses cais recônditos desta Ria Formosa.
 
Frequentadores assíduos de um café esplanada onde eu também vou com alguma regularidade, bebiam o seu galão, comiam uma sandes cada um que traziam nos vários sacos que pousavam no chão e um dia destes desistiram de ir àquela esplanada porque o galão aumento salvo erro dez cêntimos.
 
Durante dois ou três dias ainda foram argumentando que não sabiam que aquele era o preço actual e que não tinham mais dinheiro, as empregadas foram fazendo reparar nisso e punham o resto do seu bolso mas eles abandonaram mesmo o local de vez, para aí à terceira ou quarta vez.
 
 
 
 
 

 

Poesia de Adelina Velho da Palma - Sangue Mulher; O riso; Quando te leio

 
Poesia de Adelina Velho da Palma - Sangue Mulher; O riso; Quando te leio
 
 
Sangue Mulher
 
 Mulher é sangue e sangue é mulher,
 a vida lhe entra, a vida lhe sai,
 cordão condutor sobre quem recai
 entre vida e vida a morte vencer...

 
Sangue da dor do primeiro prazer
 é libertação de marca que cai...
 Sangue que a lua cada mês esvai
 p’ro berço da vida rejuvenescer...

 
O riso
 
 Rio-me num riso que se ri risonho…
Rio-me num riso que se ri ridente…
Rio-me num riso tão irreverente
 que só por si é maior do que o sonho!...

 
Rio-me por tudo o que tenho e disponho
 visto que tudo me deixa contente…
Rio-me por dentro, mui saudavelmente
 neste mundo sujo, seco e enfadonho…

 
Quando te leio - (A Miguel Torga)
 
 Quando te leio - vejo um rapazinho
 nascido da penedia da serra,
 tão obstinado como a crua terra,
 tão sequioso de pés a caminho…

 
Quando te leio - vejo-te sozinho
 num desamparo que ao peito se aferra,
 de Fé perdida e de pendor pra guerra,
 homem inteiro de alma em desalinho...

 
 
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Blogue Alcoutim Livre - António Afonso - Serões de Inverno

 
Blogue Alcoutim Livre - António Afonso - Serões de Inverno
 
Para compreender melhor esta crónica, devemos situar-nos, em termos de tempo, nos anos 50 do século passado, num lugar remoto no Nordeste Algarvio, a rádio não era extensiva a todos, a televisão não tinha chegado e os outros meios de comunicação, alguns não tinham nascido.
 Ao final da tarde, ao regressarmos da escola, tínhamos de realizar tarefas que nos tinham sido confiadas previamente, como sejam: ir ao poço buscar água, alimentar os animais, preparar a lenha para alimentar a lareira durante a noite, etc. Conjugávamos então parcerias com os amigos e tudo se resolvia, airosamente, desta forma de ajuda mútua.

Era à luz da candeia ou do Petromax, que iluminavam quase nada (por isso havia tantos meninos «curtos de vista»), que fazíamos os trabalhos de casa, auxiliados por os mais velhos que nos ajudavam na leitura de palavras esquisitas, problemas deveras bicudos, com várias casas decimais e torneiras que debitavam vários hectolitros por minuto e tanques com enormes capacidades, muito maiores que a capacidade mental de um aluno de dez anos. O meu preceptor era o António Miguel, rapaz metódico e aplicado que me tentava explicar aqueles enigmas.

Os trabalhos eram feitos em ardósia (pedra preta, com um caixilho de madeira de cantos arredondados), escrevíamos com giz, ou na falta dele, fabricávamos nós os próprios lápis com taliscas do Barranco da Corte (Xisto foliáceo), só posteriormente passávamos tudo a limpo para o caderno.

Devo acrescentar, que esta pedra, que vos falo, não é mais que um antepassado do célebre computador Magalhães. Ainda hoje, quando as crianças me pergunta a idade eu respondo dizendo-lhe que sou da idade da pedra. – Então o tio é «muita» velho!
 
 
 
 

 
 

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Jornal Raizonline nº 202 de 24 de Dezembro de 2012 - COLUNA UM- Daniel Teixeira - As minhas memórias mais próximas (XXIII) - Viver e morrer

 
Jornal Raizonline nº 202 de 24 de Dezembro de 2012 - COLUNA UM- Daniel Teixeira - As minhas memórias mais próximas (XXIII) - Viver e morrer

Viver e estar vivo nem sempre querem dizer a mesma coisa, no sentido duplo que se dá por vezes ao conceito de viver, que implica que se esteja vivo, como será sempre claro, mas a inversa já não aparece como verdadeira nalguns casos e nalgumas conotações que podem ser dadas ao tal conceito de viver referido atrás.

Os animais e as plantas, exemplos corriqueiros dos quais se joga mão também normalmente, estão vivos mas não vivem naquele tal sentido. E o viver (conceito) aparece agora mais claro com a ideia que se inculca desde logo que viver é ter consciência da vida que se vive.

Este tema daria para escrever para aí uns milhares largos de páginas porque nada obriga, em termos lógicos, que quem vive tenha consciência de que vive, assim como não se pode recusar a ideia de vida ao ser humano (mas não às plantas e aos animais irracionais) que estando vivos não têm, por razões patológicas, por exemplo, consciência de que vivem no sentido mais lato que se pode ser apanhado atrás.

O mesmo se aplica às graduações da consciência de viver que podem ser elididos segundo a nossa própria ideia ou segundo a ideia geral daquilo que é viver e ter consciência de que se vive. Até que ponto, por exemplo, se pode dizer que um sem abrigo, com handicaps psíquicos já adquiridos pela sua não-vivência, tem o mesmo grau de consciência de viver que tem uma pessoa chamada de normal, de uma classe média normal (e tantas vezes normalizada).

E já agora, que falamos de normalização, até que ponto um «normalizado» naquele sentido puro e duro do conceito tem consciência da sua vida? Se é normalizado, uma fatia larga da sua consciência de viver nem sequer é consciência porque sendo recebida do exterior (da normalidade exterior) não é nem seu produto próprio nem é de sua consciência plena.
 
 
 
 

 

domingo, 23 de dezembro de 2012

POEMAS DE NATAL - De: Ruy Belo(Poema de Natal); João Cabral de Melo Neto (Cartão de Natal ); Natália Correia ( Falavam-me de amor)

 
POEMAS DE NATAL - De: Ruy Belo(Poema de Natal); João Cabral de Melo Neto (Cartão de Natal ); Natália Correia ( Falavam-me de amor)
 
 Poema de Natal
 
é dia de natal a festa da família um deus nasceu
 não me sinto sozinho mas estou sozinho
 toda a minha família sou só eu

 Levo nas algibeiras alguns versos e caminho
 quando sinto de súbito o desejo de reler o herculano
 a única pessoa que nos livros e na vida hoje me faz falta
 única companhia para o meu natal

 Entro nas poucas livrarias de peniche
 e gasto em livros de herculano o dinheiro que tenho

 O herculano entre outras coisas bem sabia distinguir os tempos
 sabia o que num tempo é distinto de outro tempo
 tinha muitos amigos entre os seus e meus antepassados
 e deu sempre à verdade o que os demais costumam dar à vida

 
Cartão de Natal
 
 Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de voo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:
que desta vez não perca esse caderno
sua atracção núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas

 
Falavam-me de amor
 
 Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,

 
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

 
Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

 
 
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Dueto Poético Arlete Piedade e Sérgio António Meneghetti - Natal em Portugal (Arlete Piedade) e Poemaço - Sérgio António Meneghetti

 
Dueto Poético Arlete Piedade e Sérgio António Meneghetti - Natal em Portugal (Arlete Piedade) e Poemaço - Sérgio António Meneghetti
 
Natal em Portugal



Natal da crise e da pobreza, acintosa
 Nesta nação, hoje triste e deprimida
 onde está agora a nobreza, generosa
 no coração humano, tão escondida...
 em meio á lei da selva, que é corrente
 entre os políticos indiferentes e o povo
assaltam e assassinam a pobre gente
 roubam e vandalizam! - Nada de novo!
 
Poemaço


 Bom dia Arlete!
 Bom dia Portugal!
 Pra vocês, um forte Abraço.
 Arlete veja abaixo o troco.
 Sergio
 
 Poemaço
 
 ...Adejo no espaço
 Nesse compasso
 Eu mesma traço
 Meu esquemaço
 Enfrento fracasso
 Nem me desfaço,
 Ganho um pedaço
 Volteio no espaço
 E com o que faço
 enleio num laço
 Meu embaraço
 Voando no espaço
 
 
 
 

 

Poesia de Cremilde Vieira da Cruz - BARCO NO MAR; PASSEIO DE DOMINGO; FALAS DO VENTO

 
Poesia de Cremilde Vieira da Cruz - BARCO NO MAR; PASSEIO DE DOMINGO; FALAS DO VENTO      
 
 BARCO NO MAR
 
 Nasce da onda,
 Afunda,
 Emerge...
 Tu, olha-lo!
 Vês nele o teu retrato.
 Há espuma à beira da praia,
 Rasto da última onda
 Que veio refrescar-te os pés.
 Em volta de ti há vida,
 Horizonte vasto e belo
 Que não vês.
 Vês apenas o barco,
 
PASSEIO DE DOMINGO
 
 As mimosas segredaram-me
 Aos ouvidos coisas belas
 Os meus olhos regalaram-se
 Com bolinhas amarelas
 Os fetos estavam mais verdes
 Debruçados nas janelas
- Vê lá bem o que tu perdes
 Disseram-me as árvores belas
 
FALAS DO VENTO
 
 Quando o vento passa
 E o ouço como se falasse comigo,
 Encontro a minha verdade
 E desfruto da aragem
 Dos dedos do sol,
Do sabor da chuva quando cai
 
 
 
 
 

 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A VOLTA DA MESA DE NATAL EM PORTUGAL - Texto de Dulce Rodrigues

 
A VOLTA DA MESA DE NATAL EM PORTUGAL - Texto de Dulce Rodrigues
 
Embora o Natal seja hoje celebrado em todo o mundo, as suas tradições variam de país para país, de religião para religião, conforme os usos e costumes. Para os Cristãos, o Natal significa o nascimento do Menino Jesus, mas quer para eles ou para os outros, esta quadra do ano proporciona a reunião com familiares e amigos à volta da mesa de Natal, partilhando alegremente uma refeição.
 
A gastronomia, que igualmente faz parte da cultura de um povo, não podia deixar de ter as suas tradições natalícias e, tanto os ricos como os pobres, tanto os que vivem nas cidades como os que vivem no campo, todos apreciam uma gastronomia especial nesta quadra do ano.
 
Em Portugal, obviamente que não se podia fugir a esta magia e seguem-se as tradições natalícias herdadas dos nossos antepassados, embora essas tradições por vezes tenham particularidades próprias a cada região do país.
 
A Consoada da nossa belíssima Costa Verde, a região de Entre Douro e Minho, sem dúvida que é, contudo, a mais expressiva de todas as refeições do Natal português: bacalhau da Consoada, polvo guisado, bolinhos de bacalhau que são uma delícia acompanhados de esparregado de nabiças, sem falar na profusão de bolos, doces e fritos, tais como aletria doce, mexidos de Natal, sopa dourada, bolinhos de jerimu, sonhos, filhoses, rabanadas... E, não esqueçamos, o vinho quente.
 
 
 
 
 

 
 

Poesia de Arlete Deretti Brasil Fernandes - Contemplação - O Primeiro Amor - Volta à minha essência.

 
Poesia de Arlete Deretti Brasil Fernandes - Contemplação - O Primeiro Amor - Volta à minha essência.
 
 
 Contemplação
 
 Recosto-me na rede da varanda,
 Meus pensamentos dão muitas voltas
 Enquanto a Terra gira.
 Na rua passa uma criança e me
 Cumprimenta - Olá!
 Imagino o globo terrestre em movimento,
 Os seres humanos nas mais diversas atividades.
 Uns escrevem, outros pintam, uns riem, outros choram.
 Uns nascem enquanto outros morrem.
 
O Primeiro Amor
 
 Eramos pequenos, estávamos na escola,
 no segundo ano primário. Em nossos
 gestos inocentes, conversávamos lado a
lado. E nos considerávamos namorados.
 Numa segunda-feira veio uma notícia mortal,
 Ele fora ferido, na pescaria dominical.
 Cidade interiorana, não havia recursos médicos.
 Na mesma semana ele morreu e eu vi
 
Volta à minha essência.
 
 Hoje, ao desnudar minha alma,
 Qual não foi a dor dilacerante,
 Ao ver cacos estilhaçados de
preciosa taça que eu mesma lapidei.
 Tesouro burilado por anos seguidos,
 que num instante de ofuscação
 caíu e se esboroou ao chão.
 Hoje há sol, mas só enxergo trevas.
 A luz que eu via, não brilha mais
No espaço. Penetro no azul profundo
 E a paz não acho.