sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Eça - Páginas de Jornalismo - em «O Distrito de Evora»

 
 
Eça - Páginas de Jornalismo - em «O Distrito de Evora»
 
n.º 12, 17 de Fevereiro
 
 A crónica, hoje um pouco enfastiada, vendo-se sem notícias, sem horrores ou maravilhas a contar, sem que haja um amigo que tenha a abnegação de se matar para lhe dar dez linhas de original, uma mulher que se deixe raptar, para dar meia coluna, vendo o tempo chuvoso, vento, frio, vai pelos seus colegas do jornalismo, escutando por entre as colunas, espreitando pelos noticiários, arregalando os olhos para o mais pequeno artigo, a ver se encontra um facto interessante ou mesmo somente assombroso.
 
Mas não encontra nada; o jornalismo português anda profundamente distraído. Não sei o que ele tem que o aflige, o caso e que, quando aparece, é desalinhado no fato, magro, sem graça, sem bom senso, esquisito e aborrecido.
 
Julga-se que, no seu quarto, ele e afável, jovial, galhofeiro, letrado, eloquente, erudito; porém, quando vem para a luz do dia, vem despido destas belas e nobres qualidades.
 
E simplesmente maçador e desengraçado. Nem uma anedota, nem um escândalo inocente, nem um enredo de comédia, nem uma mentira. Porém, a mentira acabou.
Dantes sim, ainda havia uma mentira geral que tinha representantes por esse mundo a quem se chamavam mentirosos; hoje não, nada há. A mentira é filha do espírito, e morreu com seu pai.
 
 n.º 13, 21 de Fevereiro
 
O ar está belo, o céu límpido, a temperatura afável: nestes dias a crónica torna-se contemplativa e mergulha-se na natureza. Porque digamos uma suprema e inatacável verdade: a crónica é de combate; há muita gente que se persuade que estas futilidades que se chamam crónica, folhetim, noticiário, variedades, não tem importância num jornal político, não pesam na opinião, não atacam e não combatem.
 
E é um erro. Num jornal de oposição a cousa que mais incomoda o governo é a crónica: ela é que é temida, evitada e seduzida; nos países bárbaros e pouco conhecidos, onde o jornalismo é uma especulação, e como tal comprado e vendido, um governo que na sua politica procede por corrupção, a primeira coisa que faz é comprar os vários cronistas, folhetinistas, noticiaristas, escritores de variedades, os amenos, como se diz.
 
 
 
 
 

 
 
 

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