Adeus, «Amigo» - Crónica de Cynthia Kremer
Tomada por uma sensação de impotência, desamparo e tristeza infinita, ao ver o lugarzinho vazio na calçada, mais vazio que nunca, onde deitadinho ao sol ficava - talvez sua única alegria - um cão aleijado da patinha direita de trás, que andava com dificuldade e já era idoso (ou parecia, talvez por tudo que passou) não tinha dono e morava aqui na rua.
Minha mãe o batizou de «Amigo». Não sabemos, mas imaginamos silenciosamente que ele se foi, porque há semanas que não o vemos mais. Andava com dificuldade e nós sempre dávamos comida e água a ele, que tinha um olhar tão triste, que podíamos ver através dele todos os maus-tratos, a solidão e o cansaço de uma vidinha quase invisível de tão ignorado por todos que foi.
Não cheguei a tirar nenhuma foto dele sequer. Talvez por não imaginar que ele fosse embora assim tão rápido, ou talvez também, por, inconscientemente, não querer trazer à tona, registrar aquele sofrimento. Assim foi melhor. Não lhe tirar o restinho de dignidade. No íntimo, acho que se pudesse tê-lo perguntado e ele respondido, teria dito que não, que não queria nenhuma foto sua.
O sentimento que experimentamos agora, eu e minha mãe, não é novo; passamos por isso inúmeras vezes e cada uma delas, as quais não pudemos levar adiante pela impossibilidade de fazer mais, de ajudar mais, de acolher, nos causava essa mesma e imensa sensação de agora: a dor da impotência de não poder agir diante de tanta injustiça.
Seu lugarzinho está lá e mal posso chegar na janela e ver vazio. O aviso que colei no muro do outro lado da rua, pedindo encarecidamente aos vizinhos que não jogassem fora - como fizeram por 5 vezes - a vasilha d'água que colocávamos para ele todos os dias para ao menos aplacar sua sede, ainda está lá, assim como a vasilha.
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