UM CONTO DE DANIEL TEIXEIRA - O meu romance
Ainda hoje me pergunto como foi que aquilo aconteceu, como foi possível que eu deixasse passar aquele romance, como foi possível que aquelas palavras não tivessem sido apresentadas por mim. Era o meu romance, asseguro e tenho provas escritas que já mostrei a vários amigos e amigas de que era o meu romance.
Que fui eu que o fiz, linha por linha, palavra por palavra, quase.
Entre aquilo que eu escrevi e naquele romance que tinha tido nas mãos quase nada havia de diferente; talvez houvessem algumas palavras colocadas num outro contexto, talvez alguns momentos de emoção vividos de outra forma, mas no conjunto tudo dava certo, princípio, meio e fim eram precisamente iguais, as personagens apenas tinham nomes diferentes mas sentia-se bem que eram as mesmas, que diziam a mesma coisa, que se comportavam da mesma maneira.
E eu, por uma questão de dias, talvez menos de um mês, não estou bem certo, deixei escapar aquele romance para as mãos e para a ideia de uma outra pessoa.
Pessoa essa que agora ali não estava, na apresentação do livro, numa sala repleta de gente e alguns críticos de órgãos importantes da cultura nacional.
Caramba, que azar o meu! Detive-me demasiado tempo a arranjar pontos e vírgulas, a reconstruir algumas frases, a fazer coisas que levam o seu tempo, a aprimorar o dicionário que nunca estava certo para mim mas finalmente acabei por dizer a mim mesmo «vai já assim» mas quando me disse isso a mim mesmo já era tarde, demasiado tarde.
O outro já tinha o livro feito, correra a entregar as provas, penso, deve ter corrido, ultrapassara-me e embora não seja muito próprio utilizar estes termos nestas questões culturais digo que ele chegou à meta que era a Editora primeiro que eu.
Não quero acreditar que ele tivesse adivinhado que eu estava a fazer um livro que era igual ou quase igual ao dele, isso é impossível, vivemos os dois relativamente perto, é certo, mas a distância que nos separa em termos físicos é enorme.
Entre a casa dele e a minha há um riacho lamacento que é praticamente inultrapassável no Inverno e dar a volta ao riacho implica andar a pé quase meio quilómetro, pelo menos. E posso sempre perguntar-me como e porque razão ele viria espiar o que eu escrevia, porque razão ele precisava da minha ideia para fazer um livro, que fosse - como era - quase igual ao meu.
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