sábado, 11 de maio de 2013

Posso ou não escrever sobre o Amor? - Crónica de Gociante Patissa

 
Posso ou não escrever sobre o Amor? - Crónica de Gociante Patissa 
 
Já em posse do bruto que daria corpo ao meu livro de estreia, o editor deu-me a ler algumas obras literárias, gramáticas e antologias para captar conceitos, forma e espírito da poesia. Intrigou-me um conselho que desaconselhava principiantes a escreverem sobre o amor, de tão explorado que o tema vem sendo por grandes escritores.
 
Sobre o amor já vivi, também eu, tudo o que me poderia surpreender. Já enganei, já fui enganado. Já conquistei, já fui venerado. Já enchi litro de lágrimas, não duvido que tenha causado o mesmo a alguém. Já levei corrida (a que mais marcou foi a da cunhada de uma miúda de Benguela que conheci quando aos 16 anos eu trabalhava como fotógrafo numa barraca da praça da Catumbela; era bonita, voz grossa, e trocamos alguma carícia periférica, até o dia em que me meti no autocarro para ir ter com ela ao bairro Alda Lara.
 
Foi correr de verdade e nunca mais olhar atrás, o nome dela é tudo quanto restou. Cheguei a desejar morte à minha algoz – sei que não devia, embora não ignore que que amor e morte, efectuada ou prometida, não andam muito distantes). Como é claro, também já fui herói, e é nessa última condição que me atenho hoje.
 
Certo dia, de bucho devidamente satisfeito, meu amigo e eu cuidamos de esfregar as mãos com petróleo (querosene?) para abafar a inconveniência do perfume da lombula (ou lambuda, para aqui aportuguesar a boa sardinha) grelhada, difícil que estava naquela noite achar o pedaço de sabão mais próximo. Cumprindo a rotina, fizemo-nos à parada, ao longo da estrada Kalumba - Catumbela, caprichando no vocabulário para cair na graça de novas raparigas na sanzala ou, no mínimo, consolidar namoricos.
 
Caminhávamos aleatoriamente pela noite escura, que se fazia mais escura pela ausência, não já da energia eléctrica, mas sobretudo de meninas que deviam ter muito trabalho doméstico a seguir ao jantar. Não seria a primeira noite de desencontros, estávamos cientes, bons dias viriam, ou não tivesse a semana sete dias e noites.
 
Chamou a nossa atenção algo a que chamaríamos de discussão, se não passasse de monólogo. «Vou-te sepultar… na sepultura», retinia um tipo que mal conhecíamos. Aproximamo-nos. A diferença de idade entre nós e o trio em certa medida equivalia a uma geração diferente. «Eu vou-te sepultar… na sepultura. Eu sou baiano. Eu sou muito baiano», dizia. Será os baianos (natural de Baia Farta) sepultavam fora de sepulturas? Bom, teria de consultar livros de arqueologia e antropologia mais tarde, que urgia mesmo era salvar o mano que conhecíamos. Este, na típica ambivalência, tentava uma «recaída» com a ex-namorada, não que ela não fosse cúmplice, só que, para seu azar, o rival se antecipara na recolha de informações relevantes sobre si (nome e fenótipo).
 
 
 
 
 

 

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