F O M E - Texto recolhido em As Leituras de Madame Bovary
Fome de Knut Hamsun narra um período de fome que um homem passa em Kristiania (actual Oslo). Um homem sem emprego e relações, de estômago vazio e cabeça cheia de pensamentos alucinatórios, tenta desesperadamente escrever. E é preciso que escreva para que possa comer algo, mas sem comer, escrever é algo quase impossível, uma experiência - limite.
A certo ponto, percebemos que este homem passa fome não porque não tenha opção, mas por escolha, ou melhor, por uma estranha compulsão interior que o obriga a respeitar os «sentimentos nobres», a vigiar constantemente o seu pensamento e a a imagem que oferece de si. A certo ponto, apaixona-se mas é incapaz de abandonar o «orgulho» e a «decência».
«Aquilo irritou-me, quase me chocou que ela me considerasse assim tão decente; enchi o peito de ar, deixei o coração inchar e peguei-lhe na mão. Mas ela retirou-a docemente e sentou-se um pouco mais afastada de mim. Com isso, a minha coragem desapareceu de novo, senti-me envergonhado e olhei na direcção da janela (…). Senti-me totalmente paralisado.
- Já vê! – disse ela, - já vê que tenho razão: a você é possível assustá-lo com um mero franzir de testa; é possível embaraçá-lo com uma simples e insignificante mudança de lugar… - Ela riu, trocista, com os olhos completamente fechados, como se também não suportasse ser observada.»
Paul Auster tem razão quando afirma que o herói de Fome sofre de uma doença de linguagem. O próprio o explicita quando se explica à rapariga: «na verdade, podia ter-se uma natureza sensível sem que, por isso, se fosse louco; havia os que viviam quase de nada e que morriam de uma simples palavra. E deixei-a perceber que eu tinha esse tipo de natureza.»
Está doente de palavras como «honra», «honestidade», «altruísmo», «abnegação», etc.. E é por esta razão que amachuca uma nota de dinheiro e a atira à cara de uma hospedeira. Uma nota que o poderia alimentar durante dias.
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