HORA MINGUADA - Conto / Crónica de João Furtado
A Maria chorava a morte do filho. Foi uma coisa inesperada. Ele estava bom, não tinha nem uma pequena dor de cabeça. Que podia esperar que a morte o surpreendesse de repente? Menino saudável e cheio de vida. Os seis meses de vida eram prova disto, nunca tinha ido com ele ao hospital.
Gordo e forte, o rapaz era na verdade um poço de saúde, dava e vendia saúde. Não era de espantar que todos os vizinhos gostavam de o ter nos braços e orgulhosamente o exibir como troféu. Todos os vizinhos gostavam dele inclusive a Fulana.
A Fulana era a visita diária. Todos os dias, ela estava a bater a porta, mesmo as doze horas em ponto. Se fosse hoje, ela, a Maria a conjurava e não a deixava entrar, nem por todo dinheiro do mundo, mas foi há anos e ela ainda estava inexperiente. A Fulana lhe apanhou desprevenida com a pouca idade e experiência, acontece a todos.
Ela havia vindo a pouco tempo de Fogo com apenas 15 anos. Era o primeiro filho. Ela e o marido eram de Fogo. Nascidos e criados lá, como podia saber que a Fulana era o que era? Não é que não foi avisada, mas não acreditou. A mulher do filho da Fulana havia alertado a Maria pelo perigo da visita da sogra, a Fulana, mas a Maria não acreditou. Coisas da sogra e da nora.
Agora tinha a sua frente o corpo frio e hirto do filho. O rosto sereno e quase sorridente, tal um anjo contrastava com os pingos de sangue que saia pelo nariz, marca inequívoco da razão que fez o João Manuel partir para o paraíso.
Como poderia a Fulana, vizinha mais próxima e que mais vez lhe visitava ignorar tamanha desgraça e não aparecer nem para dar uma palavra de conforto? Como poderia, com tanta gritaria e lamentações?
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