domingo, 5 de maio de 2013

 
Pacatez - Conto de Daniel Teixeira
 
O suspense, ah, o suspense, aquela certeza incerta ou aquela incerteza certa de que algo vai ter lugar, que alguma coisa vai acontecer, seja como for e da forma que for é seguramente um atributo da mente humana que não tem nem pode ter explicação racional. Mas esteve ali comigo, naquele dia, naquela hora, naquele local.
 
Segundos antes eu era apenas uma pessoa sentada num banco de jardim, uma pessoa qualquer, alguém que procurava fazer passar o tempo, ou deixá-lo passar por mim, tanto me fazia. Segundos antes : ouvia os pássaros a chilrear, o ruído das ramagens das árvores bandeando ao vento, as buzinas de carros e comboios lá ao longe, o chapinhar da água de encontro aos muros da doca, os gritos agudos das gaivotas e tudo, mas mesmo tudo, parecia normal.
 
Depois veio aquela sensação estranha, aquele incómodo, aquele aperto no estômago, aquele acelerar da pulsação, aquela sensação incerta e mista de medo e de expectativa, e mais nada ficou normal dentro do meu pensamento: ia acontecer alguma coisa, eu sabia, sabia isso. Mas não sabia o que seria.
 
Contudo não demorou muito até tudo acontecer, poderia dizer felizmente porque para mim foi libertador, ou seja, libertei-me de uma sensação de indefinição para passar a viver uma situação que podia definir mas ainda hoje estou sem saber se na altura senti que uma situação foi melhor que a outra.
 
Ouvi o grito, um grito longo, um grito de socorro, estridente, talvez a cinquenta metros de mim, para trás de mim e virei-me quase instintivamente. Não vi nada. As ramagens que bordejavam a álea não me deixavam ver, ramagens espessas, recortadas. E era dali que tinha vindo o grito, aquele grito longo. Tentei levantar-me e correr, senti vontade de intervir, tentei, estou absolutamente certo de que tentei, mas as pernas não me deixaram.
 
 
 

 

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