sábado, 26 de janeiro de 2013

Crónica de Ilona Bastos - A menina Amélia

 
Crónica de Ilona Bastos - A menina Amélia 
 
Hoje pus-me a pensar na menina Amélia com carinho. Nunca a conheci, e penso que nem lhe vi nenhuma fotografia. E, no entanto, aquele precioso tom alaranjado que cuidadosamente escolheu para pintar as nuvens, perto do horizonte, como fundo a um delicioso castelinho, numa aguarela que ladeia, garbosa, o espaldar da minha cama, é a exacta cor que escolhemos para pintar o nosso quarto, e que nos envolve todas as noites, todas as manhãs e sempre que queremos repousar ou sentir, apenas, o especial aconchego da alcova.

Sobre a outra mesinha de cabeceira, do lado de lá da cama, está também um quadro da menina Amélia: o dos barcos de uma vela, deslizando pelo rio em pincelada larga, com seus timoneiros e uma carga verde, de algas. Serão, então, moliceiros, as embarcações livres, de popa erguida, em bico, que acompanham os nossos sonhos.

Para o corredor, foi o quadro dos telhados vermelhos e paredes geométricas, com uma igreja no topo, muitas manchas de branco e verde, e um céu nublado e suave. Colocámos-lhe uma moldura verde, moderna, que reavivou espantosamente o conjunto.

Finalmente, na sala de jantar está uma pintura em tons bege, que mal sei descrever se a não estiver a observar. Com a sua palmeira e denso arvoredo, fica bem junto dos Monet, embora me pareça criar pouco contraste. Mas, como todos os outros quadros, tem o meu inteiro apreço.

Todas estas pinturas são da menina Amélia, amiga da tia Celeste que nunca conheci. Penso que morreu relativamente jovem, de forma inesperada, quando submetida a uma operação simples. Lembro-me de a tia Celeste falar disso com mágoa, sobre o desaparecimento da sua amiga menina Amélia, cujos quadros pendurou na salinha verde, a menos pretensiosa da casa, aquela onde raramente entrávamos, mas que era, provavelmente, a divisão onde a tia Celeste se sentia mais à vontade.
 
 
 
 
 

 

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