quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A minha avó - Conto - Crónica de Virgínia Teixeira

 
A minha avó - Conto - Crónica de Virgínia Teixeira 
 
Lembro-me da minha avó, uma mulher forte que admirei toda a vida e que hoje se senta num cadeirão velho perto da janela partida a ouvir um pequeno radiozinho porque até a televisão deixou de lhe interessar.
 
O meu avô morreu e ela morreu um pouco com ele. E o triste é que nem posso relatar uma bela história de amor que justifique esta minha avó gasta de repente. Não se amavam da forma que os livros pedem, habituaram-se à presença e caprichos um do outro e a minha avó perdeu-se sem ele.
 
E eu, que nunca imaginei poder sentir menos admiração por ela, pela mulher lutadora, que trabalhava incansavelmente, vejo-me a sentir pena e medo. Um medo incrível de a ver partir sem vislumbrar a mulher de antes, e terror de um dia me ver espelhada nela. Ela foi forte, brava, e a luz apagou-se.
 
Adormece com o rádio ao colo muitas vezes, deita-se quase ao anoitecer porque não tem nada que fazer, vangloria-se dos vinte pares de peúgas dos netos que dobrou…
 
Ela acordava de madrugada, abria o pequeno comércio, trabalhava, fazia o almoço sempre variado, descansava um pouco, e trabalhava até à noite. Voltava e fazia o jantar.
 
Criou três filhos, cada qual com a sua particularidade, e nem do esquizofrénico algum dia a ouvi falar mal. Criou os netos quanto pôde e é justa o suficiente para ver o mal e o bem neles, por mais que se queixe de todos.
 
Sempre fui apaixonada pelas mãos da minha avó. Tem uma pele fina, manchada, toda enrugada, quase crespa, mas com um toque agradável. Costumo dizer sempre que é com as mãos delas que quero envelhecer. Acho-as realmente belas, não da forma banal como usamos o adjectivo, mas sim da forma mais pura e primitiva.
 
A minha avó está sozinha. Já deve estar deitada naquele quarto a cair aos pedaços há horas, mas de repente veio-me à memória. Sorrio sempre que penso nela. Sorriso mais feliz ou mais triste, mas sempre um sorriso. Uma mulher bonita para mim. Tem a pele toda enrugada e uns olhos pequeninos que têm um brilho diferente. Prende o cabelo ao alto num carrapito e quando era pequena divertia-me a tirar-lhe os ganchos.
 
Zangava-se comigo mas nunca meteu medo. Não é especialmente carinhosa, nenhum deles na família é, mas é justa, forte, parece inflexível até. Não abraça mas faz passar os medos porque nos faz sentir ridículos de pensar nisso sequer. E é única por isso mesmo.
 
 
 
 

 

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