sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Chegada ao futuro - Conto de Arlete Piedade

 
Chegada ao futuro - Conto de Arlete Piedade 
 
O pequeno carro avançava pela estrada recentemente asfaltada, talvez na sequência da construção das rotundas que em lugar dos antigos cruzamentos, obrigavam agora os carros a desenharem um semi-circulo, ou até um circulo completo, em volto do núcleo ajardinado, como um pequeno monte que tivesse surgido ali de geração espontânea.
 
Dentro do carro, um Opel Corsa vermelho escuro com a tinta desbotada pelo sol, a sua condutora seguia com a sua condução quase automatizada, em ritmo monótono, só quebrado pela passagem de mais uma rotunda.
 
A volta da estrada negra com o alcatrão novo e os traços brancos pintados de fresco, os campos estendiam-se, para lá dos montes e dos vales, onde se adivinhava as águas do rio a caminho do seu confluente. Aguas já tantas vezes poluídas pelas descargas da fábricas de curtumes, agora encerradas. Aguas agora finalmente limpas!
 
A beira da estrada, as velhas oliveiras desfilavam uma a uma, enquanto as filas mais afastadas pareciam entretidas num vira, ou talvez um fandango, quem sabe um corridinho...não, não, corridinho não, exclamou a condutora do Opel em surdina! Vou devagar não dá para dançar o corridinho, pois, é isso, nada contra os dançadores de corridinhos!
 
E não é que tinham azeitonas, as velhas oliveiras...imagens de infância, o pai a apanhar as azeitonas, o cheiro do ar a outono, a chuva, as couves com feijões e miolos de pão de milho, as sardinhas assadas...os panos de serapilheira estendidos no chão e as azeitonas a caírem lá dentro, verdes e negras, com ramos agarrados...os risos da irmã, a voz da mãe quase jovem...
 
Agora podia ter ido ver se as velhas oliveiras, tinham azeitonas para apanhar...fazia jeito os litros de azeite, o ano ia ser de vacas magras, cada vez mais magras, mais cintos para apertar, se ela usasse cinto é claro. Uma saudade atroz dilacerou o peito, e as lágrimas marejaram os olhos enevoando a visão da fita de alcatrão. Os incêndios do verão tinham queimado os olivais que o pai comprara, antes de ir repousar para sempre na terra fria.
 
 
 
 
 

 
 

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