domingo, 17 de fevereiro de 2013

Prosa poética de Ilona Bastos - O caminho; Esplêndida desarrumação; Formas leves, amarelas, delicadas

 
Prosa poética de Ilona Bastos - O caminho; Esplêndida desarrumação; Formas leves, amarelas, delicadas
 
 
O caminho
 
 A caminho deste meu canto, a folha que não boiava nem se estampava, antes pairava no finíssimo lençol de água que a chuva depositara na laje do pavimento – claramente verde e recortada, singela e jovem.
Ainda, o indivíduo de blusão e cachecol na cabeça branca, que furtivamente se voltava e olhava, talvez para ver se o seguia, que passos eram aqueles a ecoar pelo jardim fora, chapéu de chuva aberto, debaixo de chuva, botas chapinhando na água, olhos observando os patos a bebericar das poças, a abanar as penas, a soltar os seus quásqs enfáticos, sobre o lago onde as gotas de um aguaceiro forte desenhavam círculos, e o sol, subitamente raiando, pintava manchas de luz.
E eu, a pensar no vulto diante de mim, a ponderar que podia ser um poeta ou um assassino, ou simplesmente um homem, como todos os outros, a seguir a sua vida...
 
Esplêndida desarrumação
 
 Que esplêndida, a desarrumação deste jardim, em que os caminhos e a terra ensopada se cobrem de uma caótica ornamentação de folhas secas e frescas, de vários tamanhos, formatos e cores – castanhas, douradas, amarelas, encarnadas e verdes –, de flores de romã e eucalipto, e de pequenos chapéus cheirosos, esbranquiçados como se a neve ou o açúcar em pó sobre eles, e apenas eles, tivessem poisado.
 
Formas leves, amarelas, delicadas
 
O Outono anuncia-se já, nas folhas esvoaçantes lançadas das árvores. Daqui, donde me sento, que os ramos não avisto, só o espargir das folhas, a avivar a paisagem, me surpreende, ou antes, acalma, na reconfortante constatação de que o tempo passa, as estações se sucedem, nada pára, e também eu seguirei o meu caminho.
 Que bizarria, que paradoxo! Como pode tranquilizar-me a ideia de que rapidamente avanço para o inexorável fim?
 Talvez que o não sinta desse modo – antes como a visão do rio, cujas águas fluem, velozes, espumosas, para a foz. E quanto mais depressa correm, maior a sensação de vida – na verdade, a dimensão de vida. Águas paradas lembram a morte – ainda que a vida pulule no charco, não é a vida sã do peixe que nada e salta, e chegado ao mar percorre oceanos; não é a vida das árvores que da margem se debruçam, viçosas, e na água se nutrem, deslumbrantes…
 
 
 
 
 

 
 

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