domingo, 24 de fevereiro de 2013

Preferências vocabulares - Por Arlete Deretti Fernandes

 
Preferências vocabulares - Por Arlete Deretti Fernandes
 
Fato provado é que falando ou escrevendo deixamos transparecer a nossa preferência para certos vocábulos ou torneios de expressão.

Afirmou o cronista Francisco Pati no antigo CORREIO PAULISTANO, que «quando se escolhe a obra completa de um escritor para uma romaria às regiões do estilo, acabamos descobrindo predileções vocabulares que constituem ou acabam constituindo verdadeiros «cacoetes».

O jornalista estava a ler «OS POBRES» do grande escritor português Raul Brandão e achou-lhe uma elegante preferência pela palavra dedada, citando alguns exemplos que aqui escrevo:

Ao descrever um banco de hospital, diz que há nele «nódoas de sangue, dedadas de aflição e suor de desgraçados que se entranhou na madeira».

Outra questão: «De que ruínas se constroem estes seres que o destino marcou com dedadas trágicas?».

Mais este: «Só a morte ainda restava intata, sem dedadas na sua roupagem negra, com todo o seu mistério e toda a sua beleza».

O próprio Pati disse o porque da preferência: «A predileção explica-se pela sua arte de escultor. Raul Brandão vive, com efeito, a dar dedadas nos seus personagens, para acentuar-lhes a expressão das respectivas máscaras.»

Quem ouviu ou leu Dom Aquino Correia percebeu logo a sua preferência para certos modos de dizer que bem o caracterizavam dentre os demais escritores ou oradores. Eram muito frequentes nele, por exemplo, os ...que se me dá, os dir-se-ia, os em meio a, os em flor e outros.

O Padre José Stringari, meu primo, professor de português e escritor, resolveu ler um dia o volume NOVA ET VETERA, edição da Imprensa Nacional do Rio de Janeiro e notou que mais de quarenta vezes o bispo académico empregava a mesma expressão:

Por entre o louro mar dos seus trigais maduros,
 E das comas em flor de crianças gentis. (p.13)

A hora quente ermara-se a campina...
 Só as copas em flor, rara bonina
 Jogava no caixão. (p. 23)

Na primavera em flor, minha alma seja
 A cotovia extática do azul. (p. 30)

Ir pelas ruas de Zamora em flor. (p. 44)

Este éden, todo em flor, de Pindorama. (p.53)

Era um sarcasmo para aquela vida,
 Que vergava inda em flor. (p. 55)
 
 
 


 

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