domingo, 3 de fevereiro de 2013

Coluna de Manuel Fragata de Morais - O Imaginário no texto Angolano -António Setas- Os filhos de Papá Dya Kota

 
Coluna de Manuel Fragata de Morais - O Imaginário no texto Angolano -António Setas- Os filhos de Papá Dya Kota
 
Nasceu no Lobito em 1942 e, fugindo à integração no exército colonial português, obteve estatuto de refugiado político da ONU. Licenciado pela Universidade Livre de Bruxelas em Ciências Políticas, publicou vários livros na França. Tem, na Editorial Nzila, «A Caixa de Chifre Preto» e «Os Filhos do Papá Dya Kota», de onde se retirou o presente excerto. Vive em Luanda.
 
Os filhos de Papá Dya Kota
 
 Mal tivesse a ocasião a Lia aparecia no Bairro, ficava durante três ou quatro dias em nossa casa e repartia para Porto Amboim, vaivém que se repetiu durante mês e meio. Esta azáfama devia-se à falta de peixe decorrente de uma violenta kalemba (marés violentas) de Agosto, nada a ver com a que levara o Belela, contudo causadora de sérios danos materiais, sobretudo a pescadores do Mussulo e da Xicala.

Queixavam-se os luandenses, que viam o preço do pescado a disparar à toa, queixavam-se as senhoras das salgas, as fábricas e os próprios pescadores, que além dos danos sofridos não viam peixe nem dinheiro a entrar.

E foi por essa altura que correu pelo Bairro o mujimbo (boato) de que se ia organizar um kakulu, método infalível para acalmar, pedir clemência e ajuda às yanda (Espírito das águas. Vocábulo associado., abusivamente, às sereias), porque o mais certo era elas terem sido vítimas de desrespeito intolerável, vá-se lá saber por via de quem.
 Entre as pessoas que mais se animaram com a nova estava a Lia. Ela queria ver para acreditar no que lhe diziam algumas pessoas do Bairro, que as yanda são como nós humanos, vivem entre nós – há quem tenha visto as cidades onde elas habitam -, mas que normalmente só se consegue ver um ou outro sinal da sua existência, luzes, lençóis e fitas de luz com muitas cores debaixo da água.

Sabia que elas são ituta, seres espirituais terrestres, que interferem na vida das pessoas tanto para o bem como para castigar, isso depende das pessoas, do comportamento das pessoas, de muita coisa.

Vivem na água e podem encarnar, por exemplo, os gémeos, as pessoas que nascem depois de nove meses de gravidez, ou os que ao nascer já vêm com dentes, são ituta verdadeiros, e mais vale acarinhá-los e fazer-lhes todas as vontades, senão pode haver azar.

E não era preciso explicar-lhe que os territórios das yanda são como os das províncias de qualquer país, encostados uns nos outros, com a diferença que vão do mar ou das águas interiores para a terra firme, e que aí, em terra, elas têm as suas árvores, o embondeiro sobretudo, mas também outros «paus de sereia», como a matebeira, a musekenya e o ife, isso sabia a Lia.
 
 
 
 
 

 
 

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