CANSADA DE VIVER - Conto - Crónica de Sandra Fayad
Não tive o privilégio de ter um avô que me contasse estórias ou caminhasse de mãos dadas comigo pela rua.
Vovô Miguel, nem mesmo mamãe chegou a conhecer bem, foi morto a queima roupa na porta de casa, quando ela tinha apenas 6 anos de idade. Contam que o matador era seu compadre e que o motivo da tragédia foi uma intriga de terceiros. Por esta razão, entregou-se voluntariamente à Polícia, foi julgado e condenado, e passou o resto da vida de joelhos, pedindo perdão a Deus pelo que fez.
Vovô Abrahão morreu «caduco» aos 88 anos, quando eu tinha apenas quatro anos. Lembro-me que ele era magro e andava arrastando os pés pela casa, bastante curvado e apoiado em uma bengala. às vezes gemia, outras resmungava, coitado!
Quase nenhuma lembrança me restou da minha avó materna, que contam ter sido uma mulher muito bonita e corajosa. Montava cavalo e portava um revólver calibre 32 no bolso da «combinação».
Viajava em companhia de um «capanga» para ajudar a protegê-la das emboscadas e do assédio dos fazendeiros da Região. Morreu na fazenda, «ofendida» de cobra cascavel aos cinquenta e dois anos.
Mamãe contava que eu era o xodó dela e que, aos dois anos de idade, acompanhei todo o sofrimento porque passou, enquanto o veneno circulava em seu sangue, sem que o socorro chegasse a tempo de salvá-la.
Restou-me apenas a Vovó Julieta, que morou longe durante toda a minha infância e adolescência. Além disso, já era completamente cega quando nasci. Depois de adulta e mãe, tive a oportunidade de conviver um pouquinho com ela. Visitei-a duas ou três vezes por mês durante os últimos dez anos de sua vida. Eu a encontrava quase sempre sentadinha na cadeira de balanço, com as mãos cruzadas sobre o colo, girando os dedos polegares um sobre o outro.
às vezes caminhava até o banheiro ou o quarto, apalpando as paredes. Ouvia novelas de rádio e se emocionava com os dramas dos personagens. Quando eu chegava e a beijava, sentia um cheirinho tão gostoso e diferente, que acredito ser a marca de uma avó, que identificava sentimentos até pelo tom da voz.
Ao pedir-lhe a bênção, ela costumava dar respostas assim:
- Deus te abençoe, minha filha. Hoje você está «tristinha».
ou
- Deus continue te abençoando. Hoje você está alegre.
- Deus te abençoe, minha filha. Hoje você está «tristinha».
ou
- Deus continue te abençoando. Hoje você está alegre.
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