sábado, 9 de fevereiro de 2013

A passagem - Crónica de Daniel Teixeira

 
A passagem - Crónica de Daniel Teixeira
 
Aqui há muitos anos, muitos mesmo, fui forçado a fazer uma viagem clandestina passando a fronteira perto de Vilar Formoso e entrando em Fuentes de Oñoro. As coisas foram pelo menos pouco normais na viagem até Vilar Formoso, para não estar a dizer que foi dos meus primeiros contactos com o surrealismo real.

O passador, moço amigo de amigos, tinha uma ligeira pancada. Tinha sido boxeiro, ao que soube depois e naquela altura as regras do boxe não eram propriamente exemplares (se alguma vez o são) pelo que admito com alguma facilidade algum trauma mal tratado na sua cabeça.

Fizemos uma misteriosa excursão por Lisboa, antes de nos fazermos à estrada tendo ele levado um envelope com dinheiro que deixou ao que disse na recepção de um Hotel. Estava tudo certo, disse ele de volta ao carro, podíamos seguir, mas tínhamos de chegar a Vilar Formoso antes do alvorecer.

Passados anos perguntei a quem me tinha indicado essa pessoa se sabia alguma coisa dele e essa mesma pessoa disse-me que depois daquela noite nunca mais o tinha visto e isto já fazia seis anos. Antes disso era habitué em tertúlias e jantaradas comuns.
 
Desaparecera simplesmente...o que não me levando a duvidar que ele tenha existido e estado connosco ali ao lado no carro uma noite inteira, me leva pelo menos a pensar que a sua actividade de passador era do género daquela que ele tinha feito connosco e que ele não esperava nas mesmas zonas pelas possíveis reclamações.
 
Eu queria apresentar uma reclamação, simpática, porque afinal cheguei ao meu destino, mas as indicações dele embora batessem superficialmente certas nenhuma coincidiu com o mundo maravilhoso de facilidades na travessia que ele referira. Segundo ele as pessoas levavam-nos daqui até ali e dali até além e etc. mas nada disso aconteceu. Tivemos de fazer todo o percurso, atravessar Espanha, à boleia e finalmente de táxi, os últimos quilómetros.
 
 
 
 

 

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