domingo, 17 de março de 2013

O HOMEM SEM SORRISO - Texto de Tino Cabralia

 
O HOMEM SEM SORRISO - Texto de Tino Cabralia
 
«Vejam bem. O panaca leva um cascudinho e logo vai denunciar o colega para a diretora da escola ou para a Ong mais perto de sua casinha de bonecas. Se dependesse dos educadores de hoje, Flaubert jamais cogitaria em «Madame Bovary»... Henry Miller e Conrad não existiriam, e Kafka resolveria todos os seus problemas simplesmente soltando a franga. Tudo muito simples e colorido» (Marcelo Mirisola no conto «quatro alfinetes negros» do livro «Proibidão»)
 
Depois da interminável noite em mais uma festa literária de sorrisos falsos e letras apagadas, sem contar duas putinhas e o «ménage à trois» naquele hotel barato e sem estrelas...acordei com uma ressaca maior do que a Ilíada e a Odisseia juntas. Com a cabeça martelando repisadamente como uma música de Erik Satie fui tomar umas brejas na mercearia da esquina.
 
Lá encontrei os bêbados escrevinhadores de sempre em acalorada discussão sobre os poemas de Dylan Thomas. Tudo ia bem na minha mesmice confortável até aquele momento em que após uma piada maledicente sobre um conhecido escritor em que todos os presentes esboçaram uma gargalhada geral, unânime e burra o meu sorriso não veio. (???). No centro do Coliseu todos me olharam como se Nietzsche em carne e osso aparecesse entre as prateleiras da mercearia travestido de apóstolo ensandecido proclamando o retorno do Messias.
 
Preocupado com a situação assaz constrangedora terminei meu estranho «mise-em-escène» e saí à francesa em direção ao banheiro.
 
Após uma bela «castigada na porcelana» que deixaria Marcel Duchamp orgulhoso, ao lavar as mãos, olhei fixamente no espelho quebrado e tentei em vão exercitar o sorriso.
 
Tentei lembrar piadas antigas, fiz cócegas no próprio corpo, gargarejos homéricos.....e nada! Tentei então levantar os cantos dos lábios com as mãos e em pânico «munchiniano» percebi que minha boca estava petrificada como um David de Michelangelo, e o que é pior, na horizontal, como um horizonte púrpura, triste e distante...
 
Depois de duas horas de tentativas frustradas e sob os protestos veementes dos demais bêbados escrivinhadores que em fila aguardavam ansiosamente a vez de entrar no «WC», tive um «insight» ou um «satori» que seja. Olhando no «fundo do âmago do meu ser» e dos olhos cansados percebi e disse a mim mesmo. « - Meu Deus! Sou um escritor velho e rancoroso em um mundo hipócrita e agora sem a capacidade de sorrir!!!!!! O que fazer?»
 
 
 
 

 
 
 

Sem comentários:

Enviar um comentário