domingo, 10 de março de 2013

Humor & Ternura - Texto Recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»

 
Humor & Ternura - Texto Recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»
 
Há já algum tempo que sem explicação conhecida me sentia atraída pelo livro A Boneca de Kokoschka de Afonso Cruz, mas a sua leitura ia sendo adiada pela urgência de clássicos. O recente prémio da União Europeia para a Literatura materializou esta vontade, sem que eu entendesse bem porquê, dado que não acredito nem em prémios nem na referida união.
 
Foi o primeiro livro do autor que li. Proporcionou-me um fim-de-semana muito agradável. Os estranhos nomes e o cenário de uma Dresden bombardeada recordaram-me de imediato um outro universo de escrita: Gonçalo M. Tavares. E embora a minha intuição inicial se viesse a revelar adequada, entre ambos os autores temos apenas essa coincidência de tema, a saber, o eterno e irrespondível tema do Mal. Com a grande diferença essencial, que a escrita de Afonso Cruz não se deixa contaminar pelo objecto de investigação, permanecendo fiel a uma afectividade compassiva, que um olhar mais leviano poderá tomar por ingenuidade.

«Sr. Vogel, se não estiver contente com o rumo das coisas – disse Isaac -, só tem de fazer uma coisa muito simples: juntar os dois pés, concentrar-se e dar um pequeno pulo na vertical. Quando os seus pés tocarem o chão outra vez, a realidade do chão, quando deixarem esse momento celeste que é o salto, quando tocarem o chão, dizia eu, provocará um pequeno tremor que abalará a direcção do universo. Se ia em determinado sentido, sentido que, por certo, não lhe agrada, basta pular para ver mudar o rumo. Mas porque o tremor é muito pequeno, os efeitos não se notam de imediato, no entanto, se pudesse olhar para o futuro, veria como foi diferente daqueles futuros em que não pulou. A vida é feita destes saltinhos.»
 
 
 
 
 

 
 

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