domingo, 17 de março de 2013

Conto: Vida - Por Maria João Costa

 
Conto: Vida - Por Maria João Costa
 
A cidade ficou submersa. Não é a primeira vez na história do mundo. Mas, dói. Percebo agora que a formação das montanhas e planícies, a definição das linhas costeiras, são feitas à custa de toda e qualquer vida. A Terra está viva, e impõe-se aos seus pequenos, ainda que impertinentes, habitantes. Somos vassalos do chão que pisamos.
 
Tsunami, maremoto, hurricane… queremos que a Terra se acalme, pois o céu, ora cinzento pesado, ora azul indiferente, não nos protege. Teremos nós que olhar uns pelos outros. Isto, do terceiro milénio, não promete ser pêra doce.
 
Helena estava no carro. Tinha estacionado à porta do centro comercial, como combinado. Viu de longe o ex-marido, embaraçado com a quantidade de papel que carregava. Saiu do carro e dirigiu-se a ele. Tantos mapas já eram demais. Como sempre ele queria provar-lhe que era o maior especialista naquele assunto, como aliás em qualquer outro. Contendo-se, não querendo revelar nem a sua impaciência nem o seu arrependimento, Helena mostrou-se razoável e agradecida. Queria despachar o assunto. Ele mostrou saudades dela. Ela voltou para casa com o banco detrás do carro cheio de mapas e prospectos coloridos sobre a Grécia.
 
Chegou a casa e deitou-se. Fechou os olhos. Que disparate, aquele encontro. Nem sabia como surgira. Falara talvez na necessidade de uma viagem. Mas não ia para a Grécia. Na verdade ia fazer um aborto. Apenas isso. Apenas… A decisão tinha sido fria, tomada a frio. Depois de um casamento de quatro anos, sem filhos, a última coisa que esperava, era engravidar, no decurso da única noite que passara com alguém que, de todo, não interessava. Uma solução conveniente para um problema inconveniente. Já falara com a médica, estava tudo tratado para o dia seguinte. Não queria agora pensar nas possibilidades de vida que tinha dentro de si. Dentro de três dias tudo teria voltado ao normal. Temos que agir como adultos, não? Tinha a sua vida, o seu dinheiro, podia matar quem quisesse… Sentou-se na cama. Não queria ter pensado aquilo. Ocorrera-lhe na modorra, mais nada…
 
 
 
 
 

 
 

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