domingo, 18 de agosto de 2013

Triste fado - Conto de VIRGINIA TEIXEIRA

 
Triste fado - Conto de VIRGINIA TEIXEIRA 
 
Há pessoas a quem o fado é a tristeza e a espera. São pessoas a quem o olhar húmido é mais belo do que o risonho, e a quem um esgar de dor se torna com o tempo num sorriso apreciado por todos. São seres de olhar perdido mais além.
 
Ela sempre foi fadada à tristeza. Eu adivinhava-o no rosto da criança pequena que ajudei a criar, e sempre soube mais do que os outros o significado daquele olhar perdido no além.
 
Verdade seja dita que não quis crer e muitas vezes me repreendi por apreciar a beleza da menina quando as lágrimas se derramavam abundantes pelo rosto abaixo. Mas a idade traz sabedorias que temos de aceitar e na altura eu já a acalentava com mais doçura do que aos outros, mesmo que fosse ela a que menos retribuísse o carinho oferecido.
 
Era uma menina magra, de uma delicadeza de postura que contrastava com a pele morena e o cabelo rebelde. Nunca se deixava apanhar pela escova, ganchos e pregadores de cabelo, como as irmãs, e passava os dias em correrias com os meninos, tanto com os irmãos e primos como com os filhos dos que trabalhavam na casa.
 
Eu sempre cá vivi, fui à cidade poucas vezes e foi aqui que construí a minha vida. Não sei nada do mundo longínquo, nem sinto falta desses saberes estrangeiros.
 
Contento-me com o que aprendi com a patroa que, quando eu ainda era menina, se encarregou da minha educação, mais à laia de passatempo do que por dever cristão. Basta-me saber o que li ao longo dos anos e o que aprendi com as mulheres do campo que aqui trabalham. Dizem que tenho jeito para as plantas e, na verdade, não há planta que na minha mão não sobreviva.
 
Gosto de fazer chás e unguentos e cuido dos jardins com a mesma dedicação com que trato da casa. Nasci nesta terra e a minha mãe, que morreu quando eu era menina, aqui me deixou para cuidar da casa e das suas gentes. é o que faço, apesar de hoje já só cá viver eu e ela, e pouco me restar para fazer. Continuo a plantar o jardim, a acarinhá-lo com perseverança, porque por ela não há mais o que fazer. Há anos que os patrões morreram e os filhos foram saindo, fazendo as suas vidas fora daqui.
 
 
 
 
 
 

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