MULHER ESCRAVA - Texto de Lina Vedes
Madalena nasceu em 1920, na cidade de Faro, numa casita situada num largo de terra batida conhecido pelo «alto da caganita». Os pastores de cabras passavam por lá com os seus rebanhos e estas inundavam o recinto com as suas «caganitas» – daí o nome.
O pai de Madalena era pescador e, nas horas vagas, entretinha-se pelas tabernas da vizinhança. A casa era para dormir, o mar para trabalhar, a tasca para o divertimento afogando no vinho a dureza da vida. Nada mais lhe despertava interesse. A mulher servia, exclusivamente, para o servir e cuidar da casa e dos filhos.
Por descuido e ignorância, a parteira/curiosa chamada para o parto, não se apercebeu de uma infecção que generalizou e levou, em pouco tempo, a mãe de Madalena à morte.
Uns tios maternos, já idosos e sem filhos, que viviam na Rua Nova perto da igreja do Pé da Cruz, numa fileira de casas desniveladas das do outro lado da rua, levaram a menina, com eles, para a criarem. O pai ficaria com o outro filho de 3 anos na casa dos avós paternos residentes, como ele, no Largo Silva Porto…o das «caganitas»…
Num dia de grande animação alcoólica, o marítimo, cheio de coragem, resolve bater à porta da rua Nova e exigir a devolução da filha. Gera-se confusão com gritaria, ameaças, pragas, acabando com murros e pontapés. Estatelado no meio do chão, rodeado de pessoas adversárias ao seu intento, ameaçou voltar e jogar ao poço, o tio da mulher, se não lhe entregassem a menina.
Os dois irmãos, ainda pequenitos, viveram para sempre, separados por ódios familiares.
Madalena era muito bonita. Alourada, de olhos castanhos esverdeados era o encanto dos tios que pretendiam esmerar-se na sua educação.
Muito cuidada e querida, criança/objecto, servia-os como adorno e satisfação pessoal, sendo vista como um ser, sem importância e sem «quereres».
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