domingo, 25 de agosto de 2013

Jornal Raizonline nº 237 de 26 de Agosto de 2013 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - As minhas memórias mais próximas (LVIII) - Ainda meias férias e para a semana tenho de faltar mesmo

 
Jornal Raizonline nº 237 de  26 de Agosto de 2013 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - As minhas memórias mais próximas (LVIII) - Ainda meias férias e para a semana tenho de faltar mesmo

Tenho mantido sempre o jornal em saídas semanais e mesmo fazendo algumas  acrobacias com o tempo consegui até que o jornal saísse na semana em que a minha filha se casou, ainda que com 24 horas de atraso. Adiantei trabalho nos dias anteriores e no dia da colocação na Net achei por bem não a fazer e não mexer sequer no computador. São momentos solenes que só se vivem uma vez na vida e pelos quais devemos guardar alguma reverência.
 
Quando trabalhei em jornais em que não era eu o responsável máximo (como neste) sempre se seguiu o princípio do carteiro, ou seja, chova ou faça sol o jornal sai todas as semanas. Havia outras razões, estas de ordem técnica, que obrigavam a que assim se procedesse: a tipografia tinha aquele período de tempo reservado para nós e só mesmo em casos muito especiais mesmo estava pensada a hipótese de o jornal não sair no dia e à hora marcada.
 
Esses casos muito especiais, como falecimentos de colaboradores ou seus familiares, felizmente nunca tiveram lugar durante os tempos em que por esse jornais andei pelo que matematicamente todas as semanas os jornais saíram.
 
Esta semana contudo tenho de sair para um lugar onde nem sequer há Net. Aliás, ela existe mas a captação do sinal é tão irregular que vale mais partir-se do princípio de que ela não existe de facto. O processo de lançamento de arquivos na Net tem de ser seguido e as interrupções a terem lugar não podem exceder alguns minutos.


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sábado, 24 de agosto de 2013

Estudo do Livro «Memórias Póstumas de Brás Cubas», de Machado de Assis. -

 
Estudo do Livro «Memórias Póstumas de Brás Cubas», de Machado de Assis. -  Arlete Deretti Fernandes
 
 A forma errática e o olhar de classe.
- Brás Cubas, era filho de uma família que não era nobre, mas se fez de nobre. Voltado às aparências. Tinha a mentalidade da classe aristocrática: - Queria subir e ser deputado.
 
Eugênia, significa a sociedade da época.
-E é preciso saltar fora da visão de Brás Cubas personagem, senão ficamos restritos. Necessário é interpretar o que Machado quer dizer e aonde quer chegar. Este livro traz uma extraordinária percepção psicológica e sociológica em relação à sociedade do século XIX.
 
Memórias Póstumas de Brás Cubas, é considerado o primeiro grande romance da Literatura Brasileira, e, a primeira Obra Prima do século XIX, segundo Roberto Schwarz.
 Este romance quebra radicalmente com as formas do romance romântico e também naturalista. Quem ousou até então escrever um capítulo como o LV, «O Velho Diálogo de Adão e Eva»?
 
Machado não é linear neste romance, segue a forma ziguezagueante. Os episódios são difusos e fragmentados. São sub - enredos, várias histórias numa só. Ele diz que seu estilo é ébrio. São capítulos curtos, alguns de resistencias. Quebra com a verosimilhança.
 
O texto é todo quebrado, não tem começo nem fim. O primeiro capítulo já é o óbito do personagem. O leitor comum do século XIX muito deve ter estranhado. Machado quer reinventar o mundo e rompe com uma tradição da época.
 
 
 
 
 
 
 

MULHER ESCRAVA - Texto de Lina Vedes

 
MULHER ESCRAVA - Texto de Lina Vedes
 

Madalena nasceu em 1920, na cidade de Faro, numa casita situada num largo de terra batida conhecido pelo «alto da caganita». Os pastores de cabras passavam por lá com os seus rebanhos e estas inundavam o recinto com as suas «caganitas» – daí o nome.
 
O pai de Madalena era pescador e, nas horas vagas, entretinha-se pelas tabernas da vizinhança. A casa era para dormir, o mar para trabalhar, a tasca para o divertimento afogando no vinho a dureza da vida. Nada mais lhe despertava interesse. A mulher servia, exclusivamente, para o servir e cuidar da casa e dos filhos.
 
Por descuido e ignorância, a parteira/curiosa chamada para o parto, não se apercebeu de uma infecção que generalizou e levou, em pouco tempo, a mãe de Madalena à morte.
 
Uns tios maternos, já idosos e sem filhos, que viviam na Rua Nova perto da igreja do Pé da Cruz, numa fileira de casas desniveladas das do outro lado da rua, levaram a menina, com eles, para a criarem. O pai ficaria com o outro filho de 3 anos na casa dos avós paternos residentes, como ele, no Largo Silva Porto…o das «caganitas»…
 
Num dia de grande animação alcoólica, o marítimo, cheio de coragem, resolve bater à porta da rua Nova e exigir a devolução da filha. Gera-se confusão com gritaria, ameaças, pragas, acabando com murros e pontapés. Estatelado no meio do chão, rodeado de pessoas adversárias ao seu intento, ameaçou voltar e jogar ao poço, o tio da mulher, se não lhe entregassem a menina.
 
Os dois irmãos, ainda pequenitos, viveram para sempre, separados por ódios familiares.
 Madalena era muito bonita. Alourada, de olhos castanhos esverdeados era o encanto dos tios que pretendiam esmerar-se na sua educação.
 
Muito cuidada e querida, criança/objecto, servia-os como adorno e satisfação pessoal, sendo vista como um ser, sem importância e sem «quereres».

 
 
 


 

Um Conto - Por João Manuel Brito Sousa - Um eterno recomeço

 
Um Conto - Por João Manuel Brito Sousa - Um eterno recomeço 
 
Iam aí pelas duas horas da tarde, quando um cavalheiro em dificuldades físicas e talvez materiais, um «mendigo», digamos assim, pelo menos foi que me pareceu e digo isto sem querer ofender ninguém, chegou às urgências do Hospital da cidade.
 
Ia com ele pelo braço, um, suponho, colega de «ofício», que, igualmente não estaria em muito bom estado de saúde. Os dois homens, revelando ambos muitas dificuldades, entraram na sala de espera, silenciosos e tristes porque o caso não era para menos. Falavam um com o outro pelo olhar, parecendo entender-se bem. Quem estava na sala, olhava para os dois homens revelando na face alguma tristeza, o que, digamos em abono da verdade, não os incomodava nada.
 
A vida tinha-lhes ensinado a ver com os olhos do coração e tinham compreendido já, desde algum tempo, que a vida é tão vasta e tão efémera como é tão complexa e tão frágil. Para estes homens, estar vivos ou morrer era indiferente, tinham-se preparado, quer para a derrota diante do último suspiro como se tinham preparado para preservar a saúde.
 
Cada um tinha a sua história; um homem sem História é como um livro sem letras, leram algures. Algum tempo, pouco, depois de entrarem na sala de espera do Hospital, a funcionária do serviço de atendimento, chamou-os para fazer a ficha de entrada, indo um deles até ao balcão, aparentemente, o que estava em melhores condições físicas e psicológicas, enquanto o outro, ficou sentado na cadeira. Qual é assunto que os trás cá?, perguntou a funcionária.
 
O meu amigo está mal, tem muitas dores e eu trouxe-o até aqui. E é seu Pai, filho, ou… qual é o grau de parentesco entre vocês? perguntou a referida funcionária. Grau ? Qual grau ?, Não há grau nenhum... vivemos no Parque, conversamos às vezes, é tudo… Mas não sabe quem é ele ? insistiu a funcionária. Nada, diz que tem dores é o que sei e por isso trouxe-o para aqui.
 
 
 
 
 
 

POESIA DE ROSE AROUCK - Para Mim...; Pessoa, linda pessoa!

 
POESIA DE ROSE AROUCK - Para Mim...; Pessoa, linda pessoa!
 
 
Para Mim...
 
Para mim
 você não nasceu
 foi inventado
 foi sonhado
 e alimentado
 por um anjo vagabundo.
 
 Para mim
 você surgiu
 caído de uma estrela
 e como uma centelha
 espalhou-se no meu mundo.
 
 Para mim
 Você se embriagou de luar
 e veio em meu coração morar
 esquecido das melenas
 deixando grande as coisas pequenas
 construiu um doce ninho
 com penas que eram apenas
 penugens do meu carinho.
 
Para mim
 Você é infinito
 é repleto
 é bonito
 carregando um imenso amor
 cheio de viço e calor
 metade que não explico.
 
Rose Arouck
 
 
 
 
 
 

Sobre o livro Não Tem Pernas o Tempo, de Gociante Patissa: «apenas breves considerações» - Por Cristina Galhardo Amado,

 
Sobre o livro Não Tem Pernas o Tempo, de Gociante Patissa: «apenas breves considerações» - Por Cristina Galhardo Amado,
 
Benguela 14 Agosto 2013 - Retirado de Angola, Debates & Ideias de Gociante Patissa
 
Penso que o teu Não Tem Pernas o Tempo, que devorei com agrado em pouco tempo (repartido por duas noites antes de dormir), tem mais características de novela que de romance, não só ou sobretudo pela extensão, mas mais pelo ritmo narrativo, pouca descrição, pouco aprofundamento psicológico das personagens.
 
O narrador facilita, pela sua necessidade (que revejo como influência das narrativas orais), o trabalho ao leitor, como se dispusesse de um tempo algo limitado para contar a sua estória.
 
Na tua passagem para um género narrativo mais extenso e complexo, de certo modo, pelo número de personagens, situações, linha temporal e espacial, creio que foste muito bem sucedido, conseguiste dar consistência à narrativa, tecendo bem as tramas, indo buscar os fios soltos, para os colocar no sítio justo, no tempo justo. O ritmo é fluído, acelerado, mas constante, o que nesta dimensão mais curta, achei importante, funcionou bem.
 
Penso que estás em busca da tua voz narrativa na prosa, mais do que na lírica. E contudo, a tua melhor prosa é a lírica. Não, não significa de modo algum que escrevas tão somente poesia. A tua melhor prosa é liricamente cantada. E é  muito notório no final do livro. O último capítulo distingue-se, naturalmente, de todos os anteriores. E é ali que te movimentas, que comunicas com mais beleza.


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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Poesia de Xavier Zarco - aos luar na lubre e diana navarro; à Graça Soares

 
Poesia de Xavier Zarco - aos luar na lubre e diana navarro; à Graça Soares
 
 aos luar na lubre e diana navarro
 
 hei-de ir a teixedo
 cumprir o fôlego
 que me cumpre
 
hei-de ir
 buscar meu amor às águas
 que não em outro lugar
 
hei-de ir
 na marés de vossos acordes
 pela voz de diana navarro
 
e levarei comigo
 herbiñas de namorar
 
 Xavier Zarco
 
 
 
 
 

Poesia de Mário Matta e Silva - TORRADAS E COMPOTA e Poesia de Isabel Faria - Longe

 
 
Poesia de Mário Matta e Silva - TORRADAS E COMPOTA e Poesia de Isabel Faria - Longe
 
TORRADAS E COMPOTA
 
Pela manhã que acaba de nascer
há a brandura do tempo
destemperado num cinza deprimente
a fazer da ansiedade do dia
uma desejada esperança e euforia
que chamamos a nós tranquilamente.
 
Abrem-se as cortinas mescladas
puxa-se num certo jeito
morno e terno a roupa da cama
sentindo a noite que viajou no espaço
no cálido perfume de cada abraço
que no peito se derrama.
 
A mesa da cozinha é um chamamento
ao regalo do café fumegante
do sumo de laranja na forma delicada
de cada copo disperso na toalha
alva e rendilhada do tempo dos avós
bem como o garrido de outra fruta amaciada.
 
Na delicadeza dos gestos tépidos
seguros e vibrantes de cada desejo
vem o repousar breve que nos conforta
e a alma rejubila no êxtase e no ensejo
de saborearmos despreocupadamente
as torradas mornas barradas de compota.
 
10 de Junho de 2013
Mário Matta e Silva

Poesia de Isabel Faria - Longe
 
Longe

Longe de tudo
Cada vez mais isolada
Neste mundo estranho
 
Carente de palavras
Gestos de amor
Esquecidos por aí
Entre os juncos
De uma lagoa
Afogados talvez
Sob as águas
Carregadas de limos
 
Na solidão cresci
E morrerei
Qual astro sol
Que se desgasta
Continuamente
Sem retorno
 
Palavras e palavras
Soltam-se
Em cascatas
Na minha mente
A deriva
Neste vazio de mim
 
Busco o sentido
escondido, fugidio,
Que se dissolve
Nas marés
Cada vez mais
 
Longe de tudo
 
isa
 
 
 
 
 
 

Poesia de Cremilde Vieira da Cruz - Súplica; Sonhos desnudos; Assim...

 
Poesia de Cremilde Vieira da Cruz - Súplica; Sonhos desnudos; Assim... 
 
 
Súplica
 
 ó anjo, alto voas, embalado
 Pelo vento que sopra cheio de ira,
 Desapareces no céu ensombrado,
 Onde uma estrela pálida delira.
 
 E ao luar na noite sossegada,
 Caminhas pelos montes venturosos,
 Não encontras misteriosa estrada,
 Regressas com os ventos caprichosos.
 
 Como a desventura é teu destino,
 Passas tua vida em desatino,
 Voas, voas... e não chegas a nada.
 
Depois, olhas-te rosto angustiado,
 Que de tanto sofrer já está cansado,
 Imploras a Deus, envie uma fada.
 
Cremilde Vieira da Cruz
 
 
 
 
 

Poesia de Jorge Vicente - polly jean

 
Poesia de Jorge Vicente - polly jean

 

polly jean
 
 polly jean tinha um pequeno pássaro
que voava um pouco acima dos seus olhos:
dizia-lhe segredava-lhe bem junto aos
versos que o poeta não tem nome.
quando nasce, amanhece junto à
janela que fica ao bordo do cais,
perto dos bares, dos botequins da
cidade velha (não havia palavras
nessa altura, apenas o silêncio da
palavra pai ou da palavra mãe).
 
polly jean escrevia e o pequeno pássaro
sentava-se junto ao trono. um pequeno
pedaço de madeira que ornamentava
a cama desarrumada e os olhos desfeitos.
para onde olhas, para onde escreves
e por onde o teu corpo passa. junto à
cidade, há apenas cadeiras onde nos
podemos sentar e mesas vazias
onde te podes esconder do
rosto das pessoas.
 
 
 
 
 
 
 
 

Poesia de Sergio Antonio Meneghetti - Mente; João Carlos Martins

 
Poesia de Sergio Antonio Meneghetti - Mente; João Carlos Martins

 
Mente
 
 Mente que fala
 Mente que cala
 Mente que vê
 Mente que sente.
 
Mente somente
 Mente semente
 Mente opaca
 Mente transparente.
 
 Mente que ensina
 Mente que aprende
 Mente que fascina
 Mente presente.
 
 Mente verdadeira
 Mente que mente
 Mente faceira
 Mente contente.
 
Mente no passado
 Mente no presente
 Mente cansada
 Mente ardente.
 
 Mente aberta
 Mente negligente
 Mente que alerta
 Mente imprudente.
 
 Mente síntese do ser
 Mente inteligente
 Mente que é o próprio ser
 Mente que nunca está ausente.
 
 
Sergio Antonio Meneghetti
 
 
 
 
 
 

«DIZEI-LHE QUE TAMBEM DOS PORTUGUESES ALGUNS TRAIDORES HOUVE ALGUMAS VEZES»

 
«DIZEI-LHE QUE TAMBEM DOS PORTUGUESES ALGUNS TRAIDORES HOUVE ALGUMAS VEZES»
 
Texto de Paulo em Filhos de um Deus Menor

«Dizei-lhe que também dos portugueses, alguns traidores houve algumas vezes» (Luiz de Camões - canto IV, estrofe XXXIII)
 
Na verdade, com esta frase Camões não se referia ao ano de 2013 nem tão pouco ao século XXI, mas sim aqueles portugueses que nos tempos de D. João I, se passaram para o lado de Castela (Espanha) e combateram contra os interesses de Portugal.

Hoje, quando se coloca a questão da crise em Portugal, vêm os mais altos dignitários da Nação atribuir a culpa à conjuntura da Europa ou mesmo planetária fazendo, com isso, crer que Portugal é uma vitima inocente da «desgraça». Ninguém parece ter a coragem de Camões...

Porém, quando a crise passar - se passar - haja quem tenha a coragem de dizer que tal crise também se deveu a portugueses traidores que houve algumas vezes.

Embora São Paulo tenha dito que o Diabo não tem forma, que é «espírito dos ares» (o ar - mau das crenças populares) admite-se no entanto que Ele não possa ser o culpado da crise actual em Portugal. Na verdade o bicho das sete cabeças do Apocalipse, o veado da lenda da Senhora da Nazaré e o corvo de Santo Espedito, não podem ser arguidos neste processo.
 
Não porque sejam inimputáveis em razão de anomalia psíquica. Não. Os culpados são uma espécie de Diabos tornados ermitãos, isto é: aqueles que levaram uma vida dissipada e corrompida e, depois de velhos, se tornaram penitentes e filósofos. Estes não são inimputáveis, embora , por vezes, consigam dar a «volta» à justiça ainda que popular...
 
 
 
 
 

Dançando no Escuro (2000) - Texto Recolhido em Cinema Pela Arte

 
Dançando no Escuro (2000) - Texto Recolhido em Cinema Pela Arte
 
«Esse tipo de história sobre homens é recorrente. Mas a história do grande herói não me interessa. Ela é uma heroína, você dirá, mas justamente o que me interessa, não me importa que seja clichê ou banal, é fazer filmes sobre mulheres.» ― Lars von Trier
 
Colorindo o escuro
 
 O homem por trás de cem câmaras estrategicamente posicionadas é ninguém menos que Lars von Trier, informação que surgirá suficientemente escandalosa para aqueles que insistem em manter a associação do diretor com o movimento Dogma 95.

«Dançando no Escuro» (2000), filme que teve seus méritos reconhecidos no Festival de Cannes, é muito mais que apenas fruto de uma experimentação ousada de um diretor cujas motivações artísticas podem tornar candente qualquer debate cinematográfico. Totalmente imersa na realidade trágica de Selma, personagem que no decorrer da projeção luta, dança e sonha na escuridão da cegueira, a cantora Björk é muito provavelmente a surpresa mais agradável que o filme tem a oferecer.
 
Diante do esplendor do produto final e do que já foi falado por outros até aqui, versar sobre a polémica relação de diretor e atriz neste espaço seria um incontestável desperdício de caracteres. Encantado pelo tom fantasioso e otimista dos áureos musicais Hollywoodianos, Selma transforma simples ruídos, como, por exemplo, aqueles emitidos pelas máquinas da fábrica onde trabalha como operária, em números musicais que lhe arrebatam da realidade por poucos minutos.
 
 
 
 
 
 

NOS SERTAO DO BRASIL - Crónica em «caipirês» por ACAS

 
NOS SERTAO DO BRASIL - Crónica em «caipirês» por ACAS 
 

As coisa num ia bem! Sór brabo pra mais de quatro mêis. Lá nos piquete, o gado magricela e os matungo, era só pele e osso. Até no córgo do brejão, já se via os efeito da estiage. No poção, bem na curva do córgo, adonde as traíra vão tomá sór e os lambari de rabo vermêio e os tambiú acudia aos magote até quando uma fôia caía nágua, era só desolação.
 
Tudo o que as vista arcança e vê agora é aquele mundão de meu Deus de pexes boiano, tudo de barriga pra cima, puxano o fôrgo sem ar. Arguma coisa o cão fez pra ficá assim! Eu era um bacurim e vi isso tudo. Eu tava dijunto cum a minha mãe e as cumadre dela e mais um mundão de criança e muié dos colonho da fazenda. Nóis tudo carregava uma garrafa dágua cada um.
 
Nóis tava numa porcissão pra São Pedro fazê chovê, rezano e cantano uns hino.
 ...«Nossa Senhora saiu/com seu manto na cabeça/Nossa Senhora saiu/Com seu manto na cabeça/O manto dela caiu/Bem na rua da tristeza/ A seca tá muito grande/Chuva Deus num qué mandá/A seca ta muito grande/Chuva Deus num qué mandá/Manda as chuva que nos móia/Nem si fô pra consolá »...
 
E nóis seguia as estrada de terra batida, os carreadô, as senda. Tudo quanto era Santa Cruz das estrada nóis parava, rezava dez Ave-Maria e Deiz Padre-Nosso e cantava os hino. Quanto acabava, despejava um poco da água da garrafa em cima da santa cruz.
 
Era nosso desejo que Deus mandasse chuva; e que São Pedro ajudasse. Me alembro que numa dessas ocasião, tarveis devido a sêca, começô uma epidemia de tifo. E o tifo espaiô mais que rastío de pórva. Naquelas parage, só tinha dois médico dotô que pudia atendê nóis.
 
Na verdade um dêis só ficava na cidade (ele era cheio de bosta de galinha); o ôtro, bão que nem um pão, atendia nóis direto nas fazenda. I quage num cobrava de ninguém; noís dava um leitãozinho, uma galinha gorda, uma réstia de áio, e anssim por diante. Naquêis tempo, os remédio era feito nas própria farmácia. E era tanta gente com tifo, que o farmacêutico num conseguia de dá conta de tanto remédio.
 
 
 
 
 
 

Caminho das pedras - Por Abílio Pacheco

 
Caminho das pedras - Por Abílio Pacheco 
 
Essa é uma expressão muito comum em se tratando de dar dicas para quem quer se tornar um escritor (literário) ou para quem quer seguir uma profissão que exige algo mais que a técnica.
Já é mais do que óbvio, posto já ser deveras repetido, que para se tornar um bom escritor, o ideal é ler, ler bastante. Acrescento ainda que o ideal é ler bastante do gênero de texto que você pretende escrever. Para ser um bom poeta, leia bons poetas. Para ser um bom romancista, leia os bons romancistas.
 
No finzinho da adolescência, fui cheio de espinhas, empacotado num macacão do SENAI até o campus da Universidade Federal do Pará em Marabá procurar um professor de Literatura para ele me sugerir algum livro (teórico – acho que eu queria um manual ou algo assim) que me ensinasse a escrever poesia. O professor Gilson Penalva, que mais tarde de seria meu orientador de monitoria, exatamente da disciplina Teoria Literária, desconversou, disse-me da inutilidade que seria a teoria, que não haveria material didatizado sobre o assunto e, como eu insisti, terminou me encaminhando para um outro profissional do magistério. Sugeriu que eu fosse falar com uma professora do ensino médio de uma escola estadual.
 
Ora, eu não sou metade do que o Gilson era já naquela época, mas me mostro, além de professor de literatura, escritor. Talvez por isso vez por outra alguém vem me perguntar o tal caminho das pedras, como se eu realmente o soubesse ou já tivesse trilhado por ele. Já disse que o ideal é ler bastante do gênero que você quer aprender, ou se dedicar, mas acredito que os relatos dos autores sobre a produção de seus romances também são bons passos entre penedos.
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações LV - Por Daniel Teixeira - A serra e a cidade

 
Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações LV - Por Daniel Teixeira - A serra e a cidade 
 
A dualidade serra / cidade, ou de uma forma geral, campo cidade é um assunto que embora sempre falado raramente tem sido visto nas suas várias vertentes pelo menos em simultâneo. Admite-se, quase como uma fatalidade o êxodo rural e apresentam-se exemplos dos mais diversos: por exemplo não há muitos anos vi escrito que todos os dias nasce (em termos virtuais) uma cidade de oitenta mil habitantes na Asia.
 
Este número já deve estar mais que ultrapassado, mas para quem teve o cuidado de estudar um pouco da história menos recente lembra-se certamente da revolução industrial inglesa, tida como paradigma da grande descida dos montes em direcção aos vales citadinos.
 
Há muitas explicações para isto, aliás deve haver milhares, mas um facto que sempre me pareceu preponderante no caso inglês foi a própria implosão do mundo rural através do agrupamento de terrenos e da dificuldade criada pelos aportuguesados «cercamentos» das terras. O significado, maior ou menor que seja a sua importância em termos económico sociais, é que de facto todas as coisas, ou quase todas, trazem dentro de si o seu prazo de validade e que chegado este a seu término ou muda-se de produto ou morre-se.
 
Há elementos historicamente determinantes com data anterior, nomeadamente a descida da renda cobrada pela nobreza aos seus rendeiros que originou a venda massiva das suas propriedades a burgueses enriquecidos, o que seria de somenos importância histórica se isso não tivesse representado também uma alteração das filosofias de exploração da propriedade agrícola. Nem uma, a que estava era boa, nem aquela que veio a seguir (quase uma fotocópia da anterior) o foi, mas certo parece ser que se pode afirmar que o equilíbrio dos sistemas deixou de ser sustentável anos antes para a nobreza e anos depois para a burguesia rural.
 
 
 
 
 
 

VALE A PENA SER SOLTEIRO? - Crónica de Miriam de Sales Oliveira

 
VALE A PENA SER SOLTEIRO? - Crónica de Miriam de Sales Oliveira
 
Para quem louva a solteirice acho que cabe aqui algumas reflexões. Muitos casados dizem que gostariam de continuar solteiros, pois casamento é algo assim como cemitério: quem está dentro não pode sair e quem está fora não quer entrar.

A maior vantagem do solteiro é não ter que explicar nada nem dar satisfações; pode pagar caro por um CD de música popular sem ouvir o clássico:

- Não sei prá que você gasta tanto dinheiro nisto...viaja quando quer e com quem quer; não tem cursos, escolas, babás para pagar, nem acorda de noite com aquele chorinho nos ouvidos; pode sentar em frente a TV, com uma latinha e tira-gostos e assistir futebol até o dia clarear. Sempre sobra dinheiro para bons jantares, encontrar a turma e paquerar a garota mais bela do escritório. Pode andar pelado em casa que ninguém vai notar. Não tem sogra, nem aquele cunhado mala que sempre lhe pede o carro emprestado; pode ir ao banheiro e deixar a porta aberta.
 
Sem falar que está livre de uma praga social que só atinge os casados: o divorcio. E é uma chatice e custa caro; por isso digo: o preço da liberdade é a eterna vigilância.

Para nós, mulheres, casamento é despartido: nós sabemos fazer nossas camas sozinhas, lavamos nossos pratos, cozinhamos nossas comidas e arrumamos nossas casas. Duro é dormir sozinha, sem ter um peito largo aonde se aninhar; ou ter de trocar uma lâmpada ou o botijão de gás; alguém sabe trocá-lo? Eu nunca consegui!

Devo dizer que nem meu marido, também; não troca lâmpada, não pega peso, nem construiu a casa do cachorro; colocar uma tomada, nem pensar; uma mulher precisa de um porteiro, nunca de um marido; o daqui de casa faz tudo isso á perfeição, e ,ainda não reclama dos meus passeios no shopping ou da conta da luz; mas, maridos fazem falta na hora de produzir filhos; nisto, são imbatíveis.
 
 
 
 
 
 

Poesia de Ilona Bastos - Dançante o meu olhar, que é Céu; Quando a noite está quente; Versos em fuga

 
Poesia de Ilona Bastos - Dançante o meu olhar, que é Céu;  Quando a noite está quente; Versos em fuga    
 
 
Dançante o meu olhar, que é Céu;

 As nuvens viajam no céu.
 São brancas, às ondas, redondas,
 São leves, etéreas, oblongas,
 São ledas, suaves, serenas,
 São velas, veleiro, singrando
 Cordato, no mar infinito.
 
O vento que sopra as encanta,
 O vento gentil as desmancha,
 O vento as estende, transforma,
 Subtil, envolvente, as seduz,
 E faz, desfazendo-as, ceder,
 Em gotas de água, sublime prazer.
 
 As árvores longínquas, frondosas,
 Verdes, brilhantes, harmoniosas,
 Ao jorro da chuva se animam,
 Ao sopro da brisa balançam,
 Bailarinas inspiradas, em aplauso
 Aclamadas pelos arbustos em flor.
 
E, dançante, o meu olhar, que é céu,
 Que é vento e chuva, árvore e flor,
 Pela sala voa, música vibrante,
 Os vidros atravessa, confiante,
 Se entrega à vista bela, além janela,
 Feliz, enfim, confunde-se com ela.
 
 
 
 
 
 

Grupos Corais - Tempo de mudar de rumo - Texto de José Francisco Colaço Guerreiro

 
Grupos Corais - Tempo de mudar de rumo - Texto de José Francisco Colaço Guerreiro
 
Os poderes assistem impávidos e praticamente indiferentes à delapidação , ao apagamento e até mesmo ao aviltamento do património mais rico desta terra e da nossa gente. Falta-lhes claramente a consciência da importância que o cante tem como elemento socialmente agregador , parecem estar destituídos da noção do valor que é inerente à expressão vocal do nosso povo, mostram-se alheados do seu estado e também dos cuidados que deveria haver para tornar mais sólida essa nossa matriz cultural .
 
Não planeiam , não projetam e por isso não executam nenhuma estratégia de valorização do cante . Não buscam encontrar com os protagonistas medidas a adotar no sentido do favorecimento da afirmação da moda . Recusam-se a dar um tratamento ao cante que tenda a projectá-lo para o nível de prioridade cultural primeira .
 
Assim , aos Grupos não é conferido estatuto artístico e quando para eles olham , mesmo sem desdenhar, nunca lhes conferem importância em termos orçamentais ou logísticos e muito menos no que respeita à consideração e ao afeto que lhes deviam merecer.
 
Qualquer Grupo Coral supera em numero de elementos, em entrega, em atuações e em representatividade o plantel do grupo de futebol local , mas a todos é fácil constatar quais os apoios que anualmente estão reservados a um e a outro. Enquanto assim for , e só deixará de o ser quando a atual atitude for modificada , uns são atletas , vedetas, campeões e os outros são os coitados que cumprem um quase dever de arrastar consigo o peso duma tradição a que só às vezes e quando dá jeito importa lembrar e enaltecer.
 
Também por isso , a participação ou a simples identificação com o fenómeno bola é querida e invejada , sendo, ao invés, a motivação pelo cante progressivamente arredada das preferências da nossa gente ,em particular, da juventude .
 
 
 
 
 
 

Poesia de José Carlos Moutinho - Desistir de mim; Minha menina, mulher; Olhos cansados

 
Poesia de José Carlos Moutinho - Desistir de mim; Minha menina, mulher; Olhos cansados  
 
 
Desistir de mim
 
 Este silêncio que me murmura palavras caladas,
 leva-me em pensamentos solitários em mim
 para além do meu horizonte!
 
Perco-me na visão das folhas secas
 que caem das árvores esmorecidas pelo tempo,
 Vejo naquelas folhas cansadas
 as vontades que de mim se esvaíram,
 Tropeço neste meu caminhar
 Pelo deserto do meu viver!
 
 Quiçá aquela miragem que tremula lá longe
 seja a fonte da água da vida,
 escondida no oásis improvável do meu sentir!
 Vagueio desorientado sob o calor
 que impiedosamente me esgota o futuro,
 em arritmia desordenada de esperança,
 que se amolece nas areias escaldantes
 e me faz render à dura realidade
 do desistir de mim.
 
José Carlos Moutinho
 
 
 
 

No tempo da escola - Texto de Arlete Piedade

 
No tempo da escola - Texto de Arlete Piedade 
 
Fala-se agora muito no bullying na escola, mas este fenómeno sempre existiu, embora sem os contornos exageradamente violentos a que agora se assiste nestes tempos atuais.

Recordo-me em especial como marcante, da passagem da escola primária para a escola preparatória, o que implicou não só a passagem de escola, mas o entrar na pré-adolescência, a mudança da aldeia para a vila mais próxima, ficar fora de casa todo o dia, pois que saía de madrugada de casa, para apanhar o autocarro, e só regressava ao início da noite. 
 
Tinha que levar o almoço, porque na altura não havia refeitórios na escola, apenas um pequeno bar, nem local para aquecer o almoço, porque nem sequer existiam ainda os micro-ondas. Havia apenas uma sala com meses, onde podíamos comer.
 
Portanto levava numa maleta, a lancheira com o almoço, que era comido frio, embora a minha mãe na tentativa de o manter quente até á hora do almoço, embrulhasse a lancheira, em papéis de jornais, o que era o isolante que se usava na altura.
 
Isto acontecia nos anos de 1967-1968-1969, entre os meus 11 a 13 anos, quando na altura em França, tinham lugar as célebres revoluções estudantis e o homem chegava á lua. Na música, os adolescentes como eu, encantavam-se com os Beatles, Adamo e Júlio Igésias, e outros cantores franceses que não me recordo agora.
 
Em termos de bullying, o que mais recordo eram as chacotas mais ou menos dissimuladas dos colegas em relação á minha roupa de menina da aldeia, por vezes remendada pela minha mãe, e os sapatos com alguma lama dos caminhos da aldeia.
 
Os comentários nas minhas costas, por vezes magoavam-me, porque a minha mãe, na sua simplicidade de aldeã, não me ensinava certos detalhes, que ela própria ignorava da vida das jovens meninas da minha idade, que tive que aprender por mim mesma, através dos comentários por vezes cruéis, das colegas e pior que tudo, dos colegas.
 
 
 
 
 
 

O Casamento - Por: João Furtado

 
O Casamento - Por: João Furtado 
 
Desta vez não usamos o Hiace. Iamos a boleia de um amigo. A viagem foi mais suave, não tivemos que dar mil e uma curva até o carro encher. O Hiace leva oficialmente 13 pessoas, normalmente 16 a 20.
 
A policia bem tenta impedir com multas mas dificilmente consegue multar alguém, embora todos os condutores se gradeiam entre eles, quando existe uma operação «STOP», os que passam pelo ponto do «STOP» pisca para todos os Hiaces com que se cruzam. Uma espécie de pacto.
 
Outra razão do excesso da capacidade é que ninguém quer entrar num Hiace vazio. E sempre a força que vai-se rendendo e entrando no carro. Um puxa eu puxa você com resultados imprevistos. Todos os condutores têm um grupo de 4 ou 5 ajudantes que a troco de alguns tostões entram e fingem ser clientes e que vão descendo aos poucos conforme o Hiace vai-se enchendo com verdadeiros clientes.
 
O carro sai do largo da Sucupira toma Avenida de Lisboa vira a esquerda, contorna a Rotunda a frente da sede do Sindicato UNTC-CS, Primeiro de Maio toma a Avenida da Fazenda vai até a Ponte da Vila Nova vira a direita anda mais uns 300 metros vira a esquerda, sobe Safende, passa por Cruz Marques chega a Rotunda de Ponta de Agua, sempre a parar, a lutar para que este ou aquele passageiro entre no seu Hiace e não do colega de profissão.
 
E regressa no sentido inverso até o Largo da Sucupira de novo. Ao todo cerca de 2 ou três quilómetros. Já cheguei a fazer este percurso pelo menos 6 vezes antes de rumar ao destino programado. Deve ser por isso que todos procuram o Hiace que já esta cheio. Mesmo se para tal se lembre das sardinhas enlatadas, só que as sardinhas não tiveram escolha…
 
Levamos cerca de 45 minutos a fazer a trajectória que costumávamos a fazer em quase 3 horas. Não tivemos que ultrapassar nenhum carro a alta velocidade. Nem tivemos que parar na curva anterior a alguma operação «STOP» para fazer descer duas e três pessoas, que teriam que caminhar a pé, até serem recolhidas um pouco a frente da operação «STOP», onde o Hiace estaria a espera. Iamos a um casamento e o casamento era no dia seguinte.


Leia este tema completo a partir de 26 de Agosto carregando aqui.


 



Poesia de Telma Estevao - Fala-me com sentimento; Entro em ti…

 
Poesia de Telma Estevao - Fala-me com sentimento; Entro em ti…
 
Fala-me com sentimento
 
Não exageres no teu tom, de voz
 Sussurra-me, murmura-me apenas.
 Não me respondas com frases feitas
 Inacabadas ou com reticências.
 
Usa a tua voz meiga e quente
Agarra-me com sabedoria e talento
 Não me termines, sem verbos
 Na longa noite em que te penso
 
Estimula-me, constrói-me com poemas
 Ausculta-me, palpita-me, nas metáforas
 Aplica-me com carinho as tuas
 Duvidas e exclamações.
 
Não deixes adormecer os meus olhos
 Os meus lábios, a minha pele
 Desnuda meus medos, meus receios
 Não me cedas, não arrastes um ponto final.
 
Olha-me com olhos fixos, pujantes
 E demorados…
 
Pousa os teus beijos
 Eternos e sem dor nos meus
 
Molda a minha alma à tua
 Procura-me entre o sonho e o sonhar
 
Deixando-me assim…ansiosa e sensivelmente louca
 
Porque, eu quanto mais sonho mais te quero.
 
Agradece aos meus pequenos nadas
 Que te elevam e que te pintam
 Que dão forma e relevo, ao teu - meu ser.
 
Telma Estêvão
 
 
 
 
 
 
 

Poesia de Arlete Anjos - Sons da noite; Conversa com o espelho

 
Poesia de Arlete Anjos - Sons da noite; Conversa com o espelho
 

Sons da noite

Os sons da noite quente
Levaram o sono de mim
 Ficaram de mim ausente
 A noite não tem mais fim.
 
Não oiço nada esta noite,
 no silêncio eu pressinto,
 a solidão mais presente.
 Como se fosse um açoite,
 que no meu coração sinto,
 os sons da noite quente.
 
 Tento dormir, não consigo,
 a noite que já longa vai,
 e me deixa tão só assim.
 Nem o tempo é meu amigo,
 em longas horas se esvai,
 levaram o sono de mim.
 
Ouvia vozes sem sons,
 latidos de cães calados,
 numa luta impressionante.
 Sentia em vários tons,
 e os sons silenciados,
 ficaram de mim ausente.
 
 Foi uma noite agitada,
 em que eu não via nada,
 e tudo o que ouvia enfim.
 Fiquei na noite acordada,
 pelo medo silenciada,
 a noite não tem mais fim.
 
De Arlete Anjos


 21/08/2013
 
 
 
 
 
 


 

No fundo, temos todos o mesmo baço. - Recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»

 
No fundo, temos todos o mesmo baço. - Recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»
 
Falava ontem num jantar de amigos que, desde o Outono de 2011, que sou uma leitora frígida, incapaz de atingir o êxtase. Comparando mais uma vez os homens aos livros, há uns que nos fodem de tal maneira que nos tornamos depois insensíveis a outros toques mais desastrados.
 
Li recentemente Pais e Filhos de Ivan Turgéniev na esperança de me libertar do sortilégio de Rodion Romanovitch Raskólnikov. Tinha esperanças que o «pai» do nihilismo me libertasse. Mas devo confessar que, embora as boutades de Bazárov me tenham divertido bastante, este não chegou a apossar-se sequer de uma ponta de dedo minha.
 
Na primeira parte do romance, Bazárov é o nihilista perfeito, não deixando nenhuma ponta da argumentação por rematar.
«A educação? – retrucou Bazárov. – Cada pessoa deve educar-se a si mesma, nem que seja como eu, por exemplo... E quanto ao tempo, porque hei-de eu depender do tempo? Antes dependa ele de mim.
 
Não, meu caro, tudo isso é desleixo, futilidade! E que são essas relações enigmáticas entre o homem e a mulher? Nós, os fisiologistas, sabemos que relações são essas. Tu estudas a anatomia dos olhos: onde ir buscar aqui, como tu dizes, um olhar enigmático?
Tudo isso é romantismo, disparate, literatura. Melhor é irmos ver o escaravelho.»
 
Mas uma argumentação perfeita apenas garante um nihilismo teórico e rapidamente desejamos ver Bazárov a embater com as realidades que despreza para vermos como se safa. E eis que este se apaixona por uma dama (essa sim, uma verdadeira nihilista certificada não apenas pelo pensamento mas pela vida) e descobrimos que afinal Pável Petróvitch (figura aristocrata e romântica que Bazárov tanto despreza) e Evguéni Vassílitch aka Bazárov não são assim tão diferentes. Aliás, as damas fatais de ambos partilham algumas semelhanças.