sábado, 1 de dezembro de 2012

Natal na Roça - Conto de António Carlos Affonso dos Santos - ACAS

 
Natal na Roça - Conto de António Carlos Affonso dos Santos - ACAS
 
AS VESPERAS
 
Vinte e três de Dezembro. No casarão de seis quartos e três salas da fazenda de café onde morava, notava-se o vai e vem de gente.
 
Na grande cozinha, nos fundos do casarão, que dava para um pequeno vale brejal, cortado pelo córrego do Pântano, a Dona Guidinha comandava um pequeno exército de afilhadas que «destrinchavam» galinhas e perus, e os enchiam com porções generosas de farofa de farinha de mandioca, produzida há pouco, ali naquele mesmo lugar, farofa esta um tanto gordurosa, é claro, que continha uma grande porção de azeitonas alho e cebolas, cortadas milimetricamente pela afilhada Maria do Barrinha (onde «do Barrinha» significava «ser filha do Senhor Barrinha»), pernambucana mestiça de holandeses com portugueses; de pele queimada de sol, cabelos longos e negros, além de olhos amendoados e azuis, como o céu daqueles Outonos da minha meninice; moelas fritas em banha de porco com cebola, sal, limão e folhas tenras de alfavaca, emolduravam aquele recheio digno de um dos sete pecados capitais, a gula.
 
Pedaços e mais pedaços de carne de porco fritos em banha, bem passados, temperados só a sal e alho, eram cuidadosamente arranjados dentro de algumas dezenas de latas reluzentes de vinte litros cada, que eram soberbamente cobertos com a banha de porco, ali mesmo preparada.
 
Pernis eram metidos e imersos em vinha d'alhos em fundas gamelas de madeira, para curtirem os temperos e os sabores. Pedaços e mais pedaços dos temperos e ervas eram cuidadosamente introduzidos em furos feitos por longas e finas facas e cobertos de alho picado, aguardando vaga para serem assados no forno de barro. Preparavam, concomitantemente, massa de bolos e pães, cozinhavam batatas que se transformariam em inhoques e croquetes recheados de carne, uma guloseima que me deixava com água na boca, só de pensar. A presença de tanta gente não era para menos: era ante véspera do Natal e naquela casa, almoço de natal para cinquenta pessoas era fato corriqueiro.
 
 
 
 
 

 

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