sábado, 29 de dezembro de 2012

Coluna de Manuel Fragata de Morais - Luís Kandjimbo - O Artesão de fogareiros

 
Coluna de Manuel Fragata de Morais - Luís Kandjimbo - O Artesão de fogareiros 
 
O homem tinha um rosto magro. Imberbe, sempre luzidio e suado. Uma armadura dentária irregular, possuída pela nicotina de tabaco ambundu. Apresentava uma deficiência no pé esquerdo. Pisava o chão com o calcanhar.
 
Atraía a simpatia dos alunos que todos os dias, quando saíam da escola, à mesma hora encaravam a sua hilariante figura. O homem que passava com fogareiros. Os rapazes admiravam a sua capacidade criativa gravada naqueles objectos utilitários.
 
Por isso, lhe chamavam kapuka numa comparação com um verme predador de cereais que construía o seu próprio casulo e se deslocava fazendo contracções em movimentos sobre a superfície das folhas.
«Olha o tio Kapuka», apupavam os miúdos.
 Quando começou a fazer aquele novo trajecto, arremessava-lhes pedras. Tudo foi mudando até que se tornou amigos deles. Acontecia às vezes o negócio não corria bem.
 Lhes disparatava.
 «Tio Kapuka», dizia um garoto.
 «Dos fogareiros», respondiam os outros em coro.
 E ele parava. E uma algaraviada pronunciava impropérios obscenos.
 «Néfè ya nyoho. Tupa lya só».
 
Nas vezes que ganhava dinheiro suficiente nas suas vendas ambulantes, passava bêbado. Falava como se tivesse água na boca. Trajando calças inundadas de remendos cosidos à mão na estatura de assim – assim, como chapéu, calçado do lohakus, carregava ao ombro um avara em que pendiam o saquito do farnel a corda de amarrar os fogareiros.

Fazia esse percurso várias vezes por semana, sem contar os desvios para fazer cobranças de dívidas antigas a mulheres que levavam muito tempo a pagar, ultrapassando os prazos de propósito. O artesão chegava a pensar que elas não davam importância às suas necessidades de dinheiro. Um dia foi exigir pagamento imediato a uma dona de casa que no dia da cobrança não tinha.

Já iam muitos dias de adiamentos. Não hesitou em dizer que não saía do quintal, enquanto não pagasse. Ameaçou mesmo: «Se você não me pagar, vou falar no teu marido que te vi nas bananeiras do Tomba dormir com guarda da horta no troco de dois cachos de banana». A dona de casa sentiu a ameaça como se tivesse sido violentamente penhada. Conhecia o atrevimento e ousadia do artesão. Resolveu pagar a dívida.
 
 
 
 

 

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