Histórias sempre possíveis - Crónica de Daniel Teixeira
Ser observador e depois cronista de rua tem as suas vantagens e tem, tal como há em todas as coisas, as suas desvantagens. Vivemos hoje, século vinte e um, num mundo que talvez por ser mais explícito, globalmente mais culto, mais conversado, apesar de todos os afastamentos entre as pessoas e mais escrito do que há duzentos ou trezentos anos, vivemos, dizia, num mundo em que o grau de exigência para a observação e para a posterior crónica se refinou quase de forma espontânea: o banal aparece-nos não em meia dúzia de casos mas logo em centenas deles e algumas centenas de casos iguais ou parecidos fabricam a banalidade daquilo que em rigor não é banal, na sua essência.
Trata-se de um mundo que requer reflexão sobre ele mesmo, sobre o seu caminho e requer que se saiba bem se somos nós que fazemos os caminhos da banalidade ou se são os caminhos da banalidade que nos fazem, que moldam a nossa observação, a nós, escrevinhadores daquilo que vemos e se passa à nossa volta. E não é sempre fácil discernir entre o banal e o banalizado.
A história que vou contar hoje tem como personagens dois vagabundos e tenho receio de aplicar este termo porque em rigor eles são e não são vagabundos. Classificá-los de outra forma contraria essas outras formas porque na verdade eles vagabundeiam durante o dia embora se saiba que vivem num velho barco acostado algures num desses cais recônditos desta Ria Formosa.
Frequentadores assíduos de um café esplanada onde eu também vou com alguma regularidade, bebiam o seu galão, comiam uma sandes cada um que traziam nos vários sacos que pousavam no chão e um dia destes desistiram de ir àquela esplanada porque o galão aumento salvo erro dez cêntimos.
Durante dois ou três dias ainda foram argumentando que não sabiam que aquele era o preço actual e que não tinham mais dinheiro, as empregadas foram fazendo reparar nisso e punham o resto do seu bolso mas eles abandonaram mesmo o local de vez, para aí à terceira ou quarta vez.
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