sexta-feira, 12 de abril de 2013

O Larussas - Conto / crónica de Daniel Teixeira

 
O Larussas - Conto / crónica de Daniel Teixeira 
 
O Larussas foi um cão que eu tive e não tive, ao mesmo tempo. Rafeiro, arraçado de pequinois, tinha aquela facies que é própria desta raça, com os dentes inferiores sobressaídos e o focinho escorrido, com os olhos pequeninos numa angulação ligeiramente elevada: tinha mesmo uma percentagem genética larga de pekinois.
 
E eu gostava sobretudo de ouvir a minha mãe «conversando» com ele e gostava de ver o animal de língua de fora todo contente por ter alguém que «dialogava» com ele: e a minha mãe a dizer-lhe;
 
«Ah! Larussas, que feio tu és, nunca vi um cão tão feio!» e ele abanava a cauda como se entendesse naquelas palavras o contrário daquilo que elas queriam dizer e lá lhe punha as patas no colo, descia-as depois e dava uma voltinha ou duas, acabando por vezes por correr atrás da cauda.
 
Quando encontrava a minha mãe neste «diálogo» dizia-lhe brincando para não dizer isso ao animal porque ainda o traumatizava psicologicamente ao que ela respondia mais para mim do que para o cão, como será claro, que de facto ele era tão feio, tão feio que até se tornava bonito de feio que era.
 
Tenho a certeza que esta imagem me ficou gravada também porque o Larussas para mim foi um pequeno herói da sobrevivência. Levou talvez mais de um mês até ser admitido no círculo familiar, dormindo no degrau à porta da nossa casa e recebendo em duas tigelas comida e água.
 
Mas não largou, nunca largou, nunca se afastou. Os animais podem não pensar mas sentem e ele sentia que era ali que estava a sua casa, a sua nova casa. E ganhou-a, essa casa, esse lar, se quisermos, logo que o verão acabou e começaram a cair os primeiros pingos de chuva.
 
Fizemos-lhe uma cama numa casa de arrumação no nosso quintal que lhe serviu para sempre. Nunca exigiu mais e tinha condições para «exigir» espontaneamente: o outro ficava em casa, era um cão de guarda, ao fim e ao cabo e ele quando chegava a sua hora sempre preferiu recolher-se à sua «casa».
 
 
 
 

 

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