sexta-feira, 19 de abril de 2013

Em Nome da Terra de Vergílio Ferreira - Texto Recolhido em Livres Pensantes


 
Em Nome da Terra de Vergílio Ferreira - Texto Recolhido em Livres Pensantes
 
«Em Nome da Terra», romance de Vergílio Ferreira, tem a forma de uma longa carta escrita por um homem, um juiz, à sua mulher, Mónica, que já morreu. Uma intensa carga emocional atravessa toda a carta que foi escrita no fim da vida desta personagem.
 
João, o juiz, tenta reconstituir o passado que , por vezes , surge quase irreal , mas pejado de sensualidade e de questões em torno do envelhecimento. O amor que nutre pela mulher é eterno, embora a incerteza da sua morte perpasse na reconstituição de um passado vivido que deixou marcas profundas.

«Querida. Veio-me hoje uma vontade enorme de te amar. E então pensei: vou-te escrever. Mas não te quero amar no tempo em que te lembro. Quero-te amar antes, muito antes. E é quando o que é grande acontece. E não me digas diz lá porquê. Não sei. O que é grande acontece no eterno e o amor é assim, devias saber. Ama-se como se tem uma iluminação, deves ter ouvido. (...) Ou como quando se dá uma conjugação de astros no infinito, deve vir nos livros.»

«Com amor, ternura, lavo-te. O teu corpo sem ti. Mas tenho a memória inteira para te reconstituir ao apelo do meu sofrimento. (...)Tenho nas mãos a memória do teu corpo, do boleado doce do teu corpo. As pernas, os seios, deixa-me encher as mãos outra vez. O fio ardente da tua pele. A face. Mal te vejo os olhos, mas o teu olhar cai sobre mim em torrente. (…) Espera, deixa-me ver-te devagar.
 
Dás uns passos, bates uma palmada no chão e sobes alto e lá no ar dás uma volta sobre ti, mas antes de caíres de pé, imóvel, fico a ver-te parada no ar. Corpo elástico, esguio, fico a ver-te. Flutuas imponderável, a Terra não tem razão sobre ti. Vejo-te no espaço, todo o corpo elástico numa curva dos pés até ao extremo das mãos, ou talvez não, recomeça o salto para ver melhor.
 
 
 
 

 

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