O romance da Dona Odete - Conto de Daniel Teixeira
Odete, nome fictício, é uma senhora que eu encontrava com alguma regularidade num cibercafé que frequento episodicamente. Não o faço para usar a internet grátis, mas porque o local é aprazível, a clientela relativamente tranquila e existe já alguma familiaridade entre os frequentadores.
A Dona Odete era uma das frequentadoras daquele local e, de quando em vez e para mim por vezes de forma demasiado frequente, pedia-me que lhe visse o problema A ou B no seu computador. Sempre coisas de nada, diga-se, mas tal como ela mesmo reconhecia não percebia nada de informática e para ela tudo aquilo que se passava para além do bater das teclas era chinês (sic).
Pode dizer-se que simpatizou comigo talvez por causa destas ajudas e desta minha disponibilidade a qual eu só interrompia através de desculpas de que tenho de ir aqui ou ali, e isto fazia-o também para serenar um pouco a febre dela de saber fazer no computador aquilo que no dia seguinte já não sabia fazer de novo.
Tem alguma idade - acrescente-se - e deve ter trabalhado profissionalmente em período ainda da escrita manual, terá evoluído para a máquina de escrever e está no princípio, e na minha opinião no fim, do seu percurso tecnológico porque de computadores ela não vai mesmo saber a menos que a esperança de vida dela ultrapasse a média europeia e os neurónios da senhora aguentem os impactos do progressivo envelhecimento.
Mas, há um mês, sensivelmente, e quando eu esperava mais um pedido para saber como se faz ctrl+c e depois crtl+v a sua questão, que se transformou numa sucessão quase diária de questões tinha a ver com um romance que ela estava a escrever aproveitando alguns elementos autobiográficos. Sabia ela, não sei como, que eu escrevia em jornais e que tinha, segundo ela, facilidade na escrita.
Bem...o seu romance ( o primeiro da sua vida) tinha todo um envolvimento ao qual ela não achava uma forma satisfatória de dar andamento, pelo que me pediu, encarecidamente, que tivesse a amabilidade de a ajudar, de lhe dar uma sugestão, enfim, tratava-se de fazê-la sair do imbróglio romanesco que tinha construído e que na altura estava parado precisamente num ponto chave do enredo.
A sua personagem (não sou eu - esclarecia repetidamente) tinha um problema que era familiar e não familiar simultaneamente. A sua personagem (que não era ela, repetia) tinha o esposo muito doente, praticamente em final de vida e entretanto teria aparecido um antigo namorado dela (que não era ela, D. Odete) nas proximidades dos seus relacionamentos. Que esse tal antigo namorado tinha feito algumas aproximações sinuosas (isto aqui é meu) acabando por despertar recordações boas - acrescentava agora ela.
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