Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações LII - Por Daniel Teixeira - A honra
Num período em que tanto se fala de honra e sobretudo da falta dela eu recordo-me com alguma saudade da mentalidade campesina neste aspecto e referindo-me sobretudo ao «meu» Monte - Alcaria Alta, sinto por vezes alguma relutância em notar a «evolução» que esta questão da honra foi tendo também por lá.
Nunca se atingiram discrepâncias notáveis entre o passado que conheci e o presente que fui conhecendo se descontarmos alguns casos pontuais (já aqui falei dos azares que tocavam exclusivamente à parte do rebanho do «sócio» do pastor). Ouvi falar também de um alegado roubo de trigo em grão que foi encontrado escondido dentro de cântaros de água (sem água, é claro).
E ainda, que me lembre, houve também alguma fama e pouco proveito de um outro senhor que se entretinha a acordar cedo e abastecer-se de cargas de estevas secas, caso este que era verdadeiramente escandaloso, em termos morais - se quisermos - porque estevas há em todo o lado só que têm de ser apanhadas e postas a secar e neste caso ao que consta o tal senhor dispensava alegremente (penso eu) a fase mais trabalhosa e mais morosa do processo trazendo-as já trabalhadas por outros e prontas a usar.
De uma forma geral, mesmo generalizada, o respeito pelo outro era a regra comum e a mais seguida. Ainda que por vezes pudesse haver uma discussão por coisinhas entre vizinhas ou vizinhos, nunca ninguém pensaria em «vingar-se», e de uma forma proporcionada que era quase por hábito aceite as coisas iam arrefecendo e tudo voltava à paz santa do costume.
O meu avô trabalhava uma folha de um lavrador (a terço, ao que me lembro - dois terços para ele e um terço para o proprietário) e para isso nunca se pôs em causa sequer pensar que um ano ou outro o dito lavrador pensasse mudar de rendeiro.
Quis comprar (no meu utópico tempo de ideias - e dinheiro - serrenhas) um pequeno espaço que dava jeito para endireitar um recanto e a pessoa depois de me dizer que estava a utilizar o espaço e que não estava a pensar vender, rematou, no final e com um aperto de mão: «Se eu um dia quiser vender é consigo que eu falo!» e isso, por pouco que possa parecer, para mim, foi o equivalente a uma escritura notarial diferida.
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