sábado, 22 de junho de 2013

A Moeda Viva - Retirado do Blogue «As leituras de Madame Bovary»

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A Moeda Viva - Retirado do Blogue «As leituras de Madame Bovary» 
 
Michel é um funcionário público que orçamenta eventos culturais e não acredita no poder de redenção da arte nem no progresso civilizacional («A cultura é isto, dizia eu para comigo, um bocado chata, mas é bom assim, cada um de nós é remetido para o nada de si mesmo»).
 
O seu quotidiano é desesperançado e resignado e a sua visão do mundo é altamente corrosiva para as alminhas sem demais inquietações: após o trabalho, Michel vai a um peep-show ver ratas em movimento e em directo, para limpar as ideias e esvaziar os testículos.
 
Encerrado numa solidão sem testemunho nem solidariedade, não se interessa pelos semelhantes nem mesmo pelas mulheres, apenas no seu prazer efémero. O serão é passado em frente ao televisor, sem problemas pois tem cento e vinte e oito canais.
 
«Quando estava prestes a entrar na banheira, senti a chegada, sob a forma de uma barata tonta, de um acesso de neura. Logo havia de ser agora, um acesso de neura; não podia chegar em melhor altura. Aí vinha ela a caminhar pelos azulejos, a criatura; tentei apanhar um chinelo, mas sabia bem que, no fundo, tinha poucas hipóteses de a esborrachar. Se assim era, não valia a pena tentar.
Mesmo a tailandesa Oôn, mais a sua vagina elástica, também pouco poderia fazer. Estamos todos condenados à partida. Tal como as baratas tontas, também as neuras copulam sem graça nem alegria aparente; mas copulam furiosamente, e as suas mutações genéticas são rápidas; contra elas, somos completamente impotentes» (p. 45).
 
Desabituado das regras da convivência social, evita o contacto com o outro bem como a consciência de si próprio. «Lentamente, tudo se vai tornando difícil; a vida resume-se a isso» Podemos armar-nos em espertos e fingir que aprendemos alguma coisa com a vida, mas é sempre ela que acaba com tudo. Até lá, à morte, vamos passando o tempo com passatempos, rodeando-nos de ideias, livros e recordações para evitarmos a realidade crua – a solidão – na ponta da faca de uma refeição nua.
 
 
 
 

 

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