sábado, 22 de junho de 2013

A viúva - Conto de Daniel Teixeira

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A viúva - Conto de Daniel Teixeira 
 
Era bom que vocês se arranjassem, disse-me mais uma vez a minha irmã. Havia já tempo que ela vinha repetindo isso. Era bom mesmo que vocês se arranjassem os dois - dizia-me. Ela e tu por aí sozinhos, os dois bons moços, tu um bom rapaz, ela uma boa rapariga, tão nova e tu tão novo, fazia jeito aos dois - acrescentava a minha irmã quase em remate da conversa e antes de sair de minha casa e regressar à sua vida.
 
A minha irmã, no entender dela, tinha uma vida e eu não tinha uma vida. Ela era casada, tinha dois filhos, dois sobrinhos meus, bons miúdos, um marido que era um excelente rapaz, enfim, acho que ela se sentia bem mesmo que tivesse de trabalhar bastante. Porque ela trabalhava bastante, oito horas na fábrica e mais o que fazia antes de ir para a fábrica e depois de regressar da fábrica.
 
E aos fins de semana também trabalhava muito. Oferecera-se para tratar da minha roupa, vinha-me fazer a cama uma vez por semana, mudar os lençóis, «dar um jeito à casa», como ela dizia, porque uma mulher sempre sabe fazer as coisas melhor, acrescentava, sempre remexendo alguma coisa enquanto falava.
 
Ela tratou do marido sempre, mesmo com ele já de cama nunca lhe faltou nada, o João, o pobre do João, um dos meus melhores amigos que acabou por morrer muito cedo, de cancro. Coitado do João, era bom amigo sim senhor. Os dois fazíamos as aldeias todas, os bailaricos, as festas, as feiras e divertíamo-nos a valer, dizia eu à minha irmã. Depois veio o cancro e o João acabou por morrer, acrescentava a minha irmã.
 
Mas o João para mim já não era o mesmo desde que se casou, não era por causa da mulher, era por causa da vida, daquilo que a minha irmã chamava vida, ser casado, ter filhos, que o João nunca teve, enfim, tinham ele e a mulher a sua vida, uma vida como a da minha irmã e do meu cunhado.
 
Mas eu tinha tido muita pena do João, coitado. Quando o vi regressar de Lisboa quase nem o conhecia. Estava muito magro, sem cabelo e sem bigode, o bigode que ele gostava tanto, que enrolava nas pontas num tique nervoso.





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