sábado, 6 de julho de 2013

O Cairo é pequeno - Conto / Crónica de Daniel Teixeira

http://static.blog4ever.com/2011/04/481789/artfichier_481789_1609472_201212291148646.jpg
O Cairo é pequeno - Conto / Crónica de Daniel Teixeira  
 
Há um escritor egípcio, que até teve um prémio Nobel e de cujo nome me não lembro, que, na altura da atribuição do prémio e sendo praticamente desconhecido, foi abundantemente dado a conhecer pelas publicações relacionadas com a literatura.
 
Isso durou para aí um mês, essa difusão intensiva, depois vieram para a rua os livros que interessava publicar devidamente traduzidos, discutiram-se os livros e mais qualquer coisa e o homem, como todos os homens, acabou por ser relegado para o lugar que tinha anteriormente com uma ligeira alteração: passou a ser um desconhecido conhecido.  
 
Não era propriamente sobre esta questão que eu queria debruçar-me, do reconhecimento e do conhecimento, mas não resisto a escrever mais algumas palavras sobre esta questão: o desconhecido é a pessoa anónima, precisamente igual ao desconhecido serralheiro, ao trolha, ao técnico sanitário de recolha de lixo (já não se diz os homens da carroça do lixo), aquele anónimo que apenas é falado quando se diz que Portugal tem dez milhões de habitantes e ele é um deles.  
 
Já o desconhecido conhecido tem outro estatuto um pouco diferente. Desconhecido desde sempre, para nós, torna-se repentinamente conhecido desde que o seu nome, as suas indicações, neste caso o prémio Nobel, lhe seja concedido. Continua desconhecido para a larga maioria das pessoas mas essas mesmas pessoas sentem que é quase criminoso colocá-lo ao lado do tal trolha e outros anónimos mesmo anónimos referidos acima.
 
Já escrevi sobre isto, sobre aquelas pessoas que apenas a lei da morte os liberta do desconhecimento, num artigo que acho interessante, ao mesmo tempo que apontava nesse mesmo artigo aquilo que nem sempre parece evidente, ou seja, dizia eu, neste artigo local, que muitas vezes não basta que se morra para se ser notado, é preciso que a morte tenha determinadas características, em suma que seja uma morte que se torne razoável recontar e lamentar sem que nos fira excepcionalmente a sensibilidade pelo seu detalhe.
 
Há bastante literatura científica sobre esta questão, por isso não acrescento muito da minha opinião pessoal: os próprios cientistas (médicos e antropólogos, de uma forma geral) acham que a morte do ente querido ou relacionado deve ser suportável para os que cá ficam, daí a necessidade de reduzir ou de se dizer que se reduziu o sofrimento ou que o falecido não sofreu. Um pouco duro mas estas ideias são de escola.





Sem comentários:

Enviar um comentário