Jornal Raizonline nº 229 de 1 de Julho de 2013 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - As minhas memórias mais próximas (XLX)- Futebol, manifestações e problemas informáticos.
Não será necessariamente porque as coisas estejam interligadas, mas os sistemas de comunicação estão sobrecarregados, por aquilo que entendo deste meu dia de hoje e posso estar a exagerar ou a analisar mal, mas de facto este número do jornal vai ter de sair um pouco menos renovado porque não dá para estar aqui a trabalhar sem ver resultados razoavelmente satisfatórios.
Para fazer este jornal necessito de ter condições simultaneamente internas (em off) mas também condições em «on» (na Net) e estar a fazer uma coisa que depois acaba cortada ou excessivamente demorada no campo externo é bastante desmotivante.
Ficará para o próximo número uma distribuição mais cuidada da renovação do jornal.
Poesia de Mário Matta e Silva - Relâmpagos na Areia; Um Hino a esse Interior Musical Relâmpagos na Areia A noite é um manto de breu Pejado de angustias e surpresas Mostrando alçapões de incertezas Numa união difusa de mar e céu. O tempo agreste a roçar o sagrado Atira-nos sem dó temerosos vendavais E as ondas ondulam desiguais Espalhando maresia num luar desmaiado. Saltam peixes em sobressalto, aturdidos Em cardumes imensos, volumosos E os barcos na doca rangem teimosos Batendo seus cascos descoloridos. Os ventos espalham o sal E a chuva cai por igual, miudinha A chamar pelas brumas e dolente ladainha Os medos de um negrume abissal. Na praia há imensos pescadores Em seus frenesins e sua dor E há um horizonte sem luz nem cor Que mostra o além feito de temores. A tempestade é densa e forte Sem âncora, sem velas e sem amarras Os bojos fazem lembrar guitarras E impõe-se um vai - vem de vida e morte.
O que o Chico Buarque ouve? O que o Chico Buarque lê? O que e quem o Chico Buarque come?
De quanto seria o lance inicial de algumas caspas do homem, colhidas por um garçom na mesa de um café de Saint Germain em um obscuro outono dos anos 90?
Para quem seria o seu primeiro pensamento, ao acordar da soneca vespertina após o risoto com tinta de lula regado a vinho? Já teria ele falado com alguma atendente de telemarketing, que esqueceria os gerúndios, gaguejaria e se perderia em seu script ao se dar conta de quem estava do outro lado da linha?
Seria PC ou Mac o ambiente onde salvara um primeiro esboço da letra prometida para o Guinga musicar, e fadada à eterna inconclusão? Saberia da existência de uma certa Carolina, de Itaquaquecetuba, que passados tantos anos ainda guarda com ela toda a dor desse mundo?
Cerdas duras, médias ou macias, e quantas vezes ao dia? Agora, um pouco de escatologia: seria Chico um praticante da automucofagia? Rimou, mas é de rimas que se faz um Chico. Ricas, sem pé quebrado.
Fala com o João Gilberto? Faz exame de próstata, dá comida ao cachorro, mete-se com a vida alheia, se atreveria a desviar da caminhada no Leblon para um suco de fruta do conde em Paquetá?
Lenda da Moura de Milreu - Introdução e recolha de Daniel Teixeira
Introdução: As lendas que metem mouras encantadas têm alguns aspectos que se repetem. Varia o local, varia uma parte do enredo, mas de uma forma geral e sendo feito um estudo mais aprofundado poderíamos chegar à conclusão que a quantidade de pontos comuns entre lendas é tão elevada que seríamos forçados a aceitar que estas lendas advêm de uma fonte ou mais que uma fonte comum. Facto este que não se passa exclusivamente com as lendas das mouras encantadas, diga-se.
Quem fez as recolhas ou quem recita as ditas lendas de uma forma geral dá um relativamente pequeno ênfase à parte que as podia diferenciar, o enredo, ficando-se muitas vezes apenas pelo «encantatório» sabendo, como é claro, que este por vezes sustenta, quando ditas isoladamente, as referidas lendas.
Normalmente e analisando as lendas em termos psicológicos mais aprofundados, sem que sejam exaustivos (faltará fazer isso um dia) o encantamento das mouras tem lugar com uma intenção bem determinada que é a de impedir que as mesmas mouras sejam objecto quer de sevícias da parte dos cristãos conquistadores quer a impedir em casos amorosos que a união entre as duas religiões se processe por via de um casamento, e isto vale tanto para mouras encantadas como para «príncipes» mouros encantados.
Uma vez que as lendas, estas lendas, são feitas e contadas por cristãos, devemos entender que existe, pelo menos, um forte cunho de rejeição cristã a esta possibilidade embora o enredo (curto) acabe por atirar as culpas da impossibilidade de concretização dos amores à acção do «vizir», que, estranhamente, tem sempre poderes mágico - encantatórios.
Um dia falarei mais aprofundadamente sobre esta questão (temos cerca de 40 lendas publicadas neste jornal) e por hoje apresento uma história, a Lenda da Moura do Milreu, que está bastante desenvolvida (nesta apresentação) em termos literário - narrativos.
Poesia de José Manuel Veríssimo - Fumos; Mar dos Sargaços; Não me Basta - ou sobre um passeio tardio por Lisboa á noite
Fumos Viver em silêncio Alguns gestos Sopros de claridade De esperança Entre nuvens carregadas Consenso De olhares Serenos Fraternos Brisas Ou fortes ventos De lés - a - lés Luares Enrolam e desenrolam Seres Corpos………. Momentos Acesos Nos encontros Entre vagas Rochedos E o fumo das marés Seixal 18.07.2009 Leia este tema completo a partir de 1 de Julho carregando aqui.
Jogo de Aniversário - Crónica de Antônio Carlos Affonso dos Santos - ACAS
Tarde de sábado. A casa do «técnico» João Domingos fervilhava de gente. O Bastião Goiaba, goleiro dos bons; o Ném, o Homero, filho do Jucão; o Batista e seu irmão João Paulo; o Mané Barrinha, o melhor de todos; eu, meu irmão Nelson; o Efigênio, o espanholzinho Pila e o italianinho Beppo.
Ainda estavam lá o Dito do Retiro, o Chiquinho Bérgamo, o Valdemar, filho do Oliveira e os irmãos Heitor e Rubens, filhos do Anésio barbeiro, além do Zé Delfino. O João Domingos havia acabado de chegar do eito do café, acompanhado do Darcy e do Eguimar.
Ele sorriu bondosamente para todos nós que, impacientemente aguardávamos a notícia mais importante: - quem seria nosso adversário no jogo de futebol no dia seguinte?.
O João Domingos tirou a camisa. Do rosto escorriam gotas de suor, as quais ele secava com a camisa suada e suja da terra roxa. A sua carapinha estava coberta de pó, e até com algumas folhas e pequenos gravetos e formigas. A Manega colocou uma cadeira no quintal, em volta da qual todo o nosso time de meninos se acomodou o melhor que pôde.
Pouco depois, a Manega volta com uma bacia de alumínio, na qual cabiam pelo menos trinta litros de água; a seguir veio com um balde enorme cheio com água fervente. O João Domingos então se aproximou, tendo nas mãos, envolto em palha de milho, um sabão de cinzas, feito por ele próprio.
Enquanto falava com a molecada, ele tomava seu banho de meio-corpo, como se dizia, banho que era muito comum nos imigrantes italianos que moravam na fazenda. Ensaboou-se todo da cintura para cima e enxaguou-se como pode, até que a Manega chegou com uma panela de água fumegante e despejou cuidadosamente sobre sua cabeça e as costas, findo o qual, passou-lhe uma toalha branca, feita de sacaria de farinha, cujas extremidades eram desfiadas e trançadas com maestria pela Manega.
Eu só me lembro de dois barulhos secos, e a minha mão ficar vermelha, logo em seguida, o meu pai cai ao chão, pedi para se levantar, mas ele estava morto. Hoje tenho dezoito anos, e dez já se passaram, estou nesta clínica psiquiátrica para fazer tratamento, ainda não consegui recuperar dos traumas acometidos na infância, o meu nome é Carla, e sou paciente do Dr. Mário Alves, por sinal um grande psicanalista, com ele estou conseguindo dar certos avanços, com esforço estou recuperando, estou cursando a oitava série, e finalmente acredito estar conseguindo aprender e controlar os meus instintos.
Dei vários problemas na escola, minha mãe precisou conversar com quase todos os professores meus, sem falar com os diretores de escola.
Ao entrar na sala do médico, comecei a me preparar para mais um dia de questionamentos e revelação de um passado, de certa forma, assustador, pois aconteceu quando era criança, e de forma violenta.
Ao expor ao doutor as minhas lembranças, começava a chorar, e ele com toda calma, aos poucos foi me consolando e pedindo para falar sobre o meu passado.
Lembrei da morte de meu pai, eram dois homens, cobravam dele o serviço não realizado e por isso o assassinaram, mas nunca entendi o motivo, e neste dia, onde faço dezoito anos, chegou o momento da revelação dos fatos.
Aos poucos o psicanalista foi revelando, sabia da profissão dele, o meu pai era funcionário público, trabalhava na área contábil de uma cidade do Paraná, trabalhava na área da contabilidade da prefeitura e foi preciso acobertar um grande desfalque de dinheiro, este estava sendo desviado, na compra de veículos para a prefeitura, para cada comprado, a concessionária emitia uma nota de três, e isso tinha de passar pela contabilidade, mas Roberto, pai de Carla, ameaçou denunciar, e antes de fazer foi assassinado, a única testemunha era eu, mas não conseguia me lembrar dos rostos dos bandidos, e o crime estava sem solução, nunca tinham encontrado sequer um suspeito.
Com a insistência e persistência do Dr. Alves, aos poucos as lembranças iam aparecendo, quase como mágica, mesmo assim era doloroso.
Cante Alentejano - A evolução do Conceito - Texto de José Francisco Colaço Guerreiro
Longe vai o tempo em que o cante acontecia a cada esquina, era o bate certo nas tabernas e a companhia das gentes ao longo de cada jornada.
Fluía tão naturalmente como se respirava e era um modo de expressão dos sentimentos, tão verdadeiro, como o próprio olhar. Tanto cantavam os ranchos labutando nas herdades, como se armava o terno nas lavouras atrás do arado ou se assobiava a moda tocando um rebanho.
Em conjunto, cantavam muitos, na solidão, cantava um só.
Mas a realidade sócio cultural específica, onde nasceu e ganhou raízes a nossa tradição vocal, transformou-se, profundamente, com a mecanização da agricultura e deixou de existir, por completo, com o abandono dos campos e o gradual apagamento do ruralismo.
A partir do início da década de setenta, a prática do cante reduziu-se, quase em exclusivo , às atuações dos grupos corais e praticamente, só dentro deles, tem sobrevivido o costume de se cantar à alentejana .
Com exceção destes nichos de culto pela moda, onde ainda se repetem as letras, se veneram as sonoridades e se perpetua o cancioneiro, hoje subsiste apenas uma vontade morna de se ouvir cantar, ocasionalmente e por pouco tempo, pese embora o facto de estarmos perante uma riqueza nossa em vias de ser considerada património imaterial da humanidade.
A ligação profunda do cante às agruras da vida dos camponeses, provocou, desde a sua origem, uma clivagem nítida , entre quem cantava a moda e os demais que dela mantinham ( e mantêm), um determinado distanciamento de resguardo.
E foi este estigma, esta marca do ferrete social que ao longo dos anos, tem desviado da prática do cante as classes mais favorecidas e aqueles que por via da sua ascensão individual, cuidam de apagar, ou ao menos disfarçar, as marcas da sua génese camponesa.
Só isto justifica que ora os nossos grupos corais padeçam tanto da falta de vozes e que numa semana, numa qualquer vila do Alentejo, seja possível constituir um coro polifónico com dezenas de elementos.
Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações LII - Por Daniel Teixeira - A honra
Num período em que tanto se fala de honra e sobretudo da falta dela eu recordo-me com alguma saudade da mentalidade campesina neste aspecto e referindo-me sobretudo ao «meu» Monte - Alcaria Alta, sinto por vezes alguma relutância em notar a «evolução» que esta questão da honra foi tendo também por lá.
Nunca se atingiram discrepâncias notáveis entre o passado que conheci e o presente que fui conhecendo se descontarmos alguns casos pontuais (já aqui falei dos azares que tocavam exclusivamente à parte do rebanho do «sócio» do pastor). Ouvi falar também de um alegado roubo de trigo em grão que foi encontrado escondido dentro de cântaros de água (sem água, é claro).
E ainda, que me lembre, houve também alguma fama e pouco proveito de um outro senhor que se entretinha a acordar cedo e abastecer-se de cargas de estevas secas, caso este que era verdadeiramente escandaloso, em termos morais - se quisermos - porque estevas há em todo o lado só que têm de ser apanhadas e postas a secar e neste caso ao que consta o tal senhor dispensava alegremente (penso eu) a fase mais trabalhosa e mais morosa do processo trazendo-as já trabalhadas por outros e prontas a usar.
De uma forma geral, mesmo generalizada, o respeito pelo outro era a regra comum e a mais seguida. Ainda que por vezes pudesse haver uma discussão por coisinhas entre vizinhas ou vizinhos, nunca ninguém pensaria em «vingar-se», e de uma forma proporcionada que era quase por hábito aceite as coisas iam arrefecendo e tudo voltava à paz santa do costume.
O meu avô trabalhava uma folha de um lavrador (a terço, ao que me lembro - dois terços para ele e um terço para o proprietário) e para isso nunca se pôs em causa sequer pensar que um ano ou outro o dito lavrador pensasse mudar de rendeiro.
Quis comprar (no meu utópico tempo de ideias - e dinheiro - serrenhas) um pequeno espaço que dava jeito para endireitar um recanto e a pessoa depois de me dizer que estava a utilizar o espaço e que não estava a pensar vender, rematou, no final e com um aperto de mão: «Se eu um dia quiser vender é consigo que eu falo!» e isso, por pouco que possa parecer, para mim, foi o equivalente a uma escritura notarial diferida.
A tristeza do crime da existência - CAMILLE CLAUDEL, 1915
Quem conhece a obra do cineasta Bruno Dumont sabe que o seu cinema é sinónimo de um mundo cru, repleto de paisagens inóspitas, com a violência e o sexo a roçar o gratuito e os silêncios a apoderarem-se de forma abrupta da tela.
Estes singulares predicados, que reflectem a forma como o realizador francês se movimenta na sétima arte, levantavam grandes dúvidas sobre este «Camille Claudel, 1915». Toda a tragédia que vitima Camile Claudel era, à partida, o maior desafio que Dumond iria enfrentar. A escultora que teve uma ligação sentimental com Auguste Rodin e que, dizem alguns, pode ter sido essa a razão para que a sua mente ultrapassasse a fronteira da sanidade, passou as últimas décadas da sua existência num hospício onde enfrentou terríveis abstinências provocadas pelos danos colaterais de uma vida marcada por uma perda da condição humana e anulação pessoal. (Camille Claudel na foto abaixo)
Mas eis que ao conhecer-se este filme, vemos um outro Dumont, um homem que ignorou o sexo e a violência (física), para dedicar toda a sua arte a fazer um retrato da vida de Claudel aquando do seu internamento e que se revela num quotidiano forte, instigador, que a presença de não - actores e possuidores de distúrbios mentais diversos ajuda a reforçar a pesada, cruel e grotesca atmosfera.
Este é também o primeiro filme de Dumond cujo papel principal é atribuído a uma verdadeira estrela, neste caso a Juliette Binoche, uma das últimas divas do cinema europeu e que se entrega de forma irrepreensível ao incorporar Camille conseguindo criar uma personagem inquietante, emersa em várias camadas emotivas e que cativa pela autenticidade.
A VAIDADE DA RITINHA (Partes I e II) - Conto Infantil de Cremilde Vieira da Cruz
A Ritinha é uma menina muito bonita, mas muito vaidosa. Passa horas e horas diante do Espelho, mira-se, volta a mirar-se... Perde tanto tempo a olhar para o espelho, que chega atrasada à escola, quase todos os dias: às vezes, já pronta e à porta para sair, volta atrás para se certificar de que tudo está direitinho e a condizer. Ajeita o vestido, dá mais um toque no cabelo...
O Espelho não gosta nada de pessoas vaidosas, por isso fica muito aborrecido com a Rita e dá-lhe vontade de lhe chamar feia, mas a verdade é que ela não é feia e, como ele não é mentiroso, diz-lhe a verdade:
- és muito bonita, Ritinha!
Mas a Ritinha é exagerada; veste-se e despe-se, volta a vestir-se, mira-se em todas as posições e pergunta ao Espelho:
- ó Espelho, achas mesmo que sou bonita?
O Espelho responde:
- és muito bonita, mas se não fosses tão vaidosa...
Certo dia, já farta de ouvir o Espelho dizer: - «Se não fosses tão vaidosa...» - a Ritinha perguntou-lhe:
- ó Espelho, ando deveras intrigada, porque tu, quando pergunto se me achas bonita, dizes sempre que sim, mas que, se não fosse tão vaidosa... Não gosto que se deixem as frases por completar. Queres completar a frase?
Nessa altura o Espelho disse:
- Vou dizer-te já: Se não fosses tão vaidosa, se não passasses tanto tempo na minha frente a vestires-te e a despires-te, tinhas tempo para fazer coisas que te tornariam muito mais bonita.
- Achas que sim, Espelho? Porquê?
- Porque tu és tão vaidosa que deixas de ser natural e sem te aperceberes vais descurando certas coisas importantes que tens dentro de ti e são bem mais bonitas que a beleza exterior. Tenho notado, que até estás a adquirir certos gestos deselegantes, pouco naturais, por te convenceres que ficas mais bonita assim.
Quando as pessoas são naturais, tornam-se muito mais bonitas! Já reparaste que a tua vaidade nem te deixa tempo para estudar? Ainda há dias a tua mãe me confessava a sua preocupação por tu não estudares. Um bocadinho de vaidade não fica mal, antes pelo contrário, mas o exagero é nefasto.
O Crime do Poeta - Texto Recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»
Era uma vez uma criança estranha. Na aldeia onde cresceu todos a temiam. Os mais antigos diziam que os seus olhos grandes e violetas traziam mau agouro.
As línguas mais desocupadas avançavam que a criança tinha pacto com o demónio. A própria mãe desconfiava da criança desde que o seu corpo começou a crescer dentro de si. Pensara até ao momento do parto que trazia dentro do seu ventre um nado-morto. - Senhor doutor, não pode ser. Nem um pontapé, nem um movimento, nada. Alguma coisa está mal. O médico sorria e acalmava a mãe com ecografias e evidências científicas:
- Não se preocupe minha senhora, é um bebé forte. Olhe, deve ter um feitio muito calmo. Traz aí um santo ou santinha, é o que é! E de facto, a criança nasceu e cresceu. Forte e quieta. Esse sossego continuou a alarmar a mãe. Recordava-lhe a quietude antes dos grandes vendavais da sua terra. Por isso, a mãe espiava a criança a toda a hora.
Um dia, quando a criança tinha sete anos, a família decidiu fazer uma viagem de sete dias pelo país. Visitaram as cidades mais importantes, mosteiros, serras e castelos. No caminho de regresso, fizeram um desvio por uma estrada antiga que serpenteava a costa marítima. A criança nunca tinha visto o mar. Entrou em frenesim no banco de trás, parlando incessantemente e suplicando que parassem uns instantes para ver o mar de perto.
O pai concedeu mas disse que o faria no local mais bonito, para que a criança visse o mar a tentar tomar a terra. A criança acatou a decisão em desassossego. A mãe seguia com o rosto colado no pára-brisas, aterrorizada pela mudança súbita de comportamento, repetindo de si para si: - Apenas uma criança, apenas uma criança que vai ver o mar pela primeira vez. Apenas isso, Maria.
Mas as mães têm sempre razão, uma razão secreta que adivinha os sismos nos corações dos filhos. O pai parou o carro e saíram todos, a mãe com medo, a criança com passos decididos e eufóricos. O pai ia explicando que aquele lugar se chamava Boca do Inferno porque se diziam que aquelas águas estavam destinadas a engolir a terra.
Delírio em jeito de reflexão acerca da Eutanásia - Conto / Crónica de Madalena Luz
Desde muito cedo me questionei de onde viemos, porque estamos aqui e para onde vamos. Será que faz algum sentido todo um percurso de vida, com tropeços, com momentos felizes, errando uma vezes, acertando outras e depois assim, sem que ninguém consiga prever tudo termina? Morremos!!!
E a morte será plena e total? Deixo de existir? Será a existência do ser humano mais insignificante do que qualquer outra forma de vida no universo, que depois da morte é como se nunca tivesse existido? Então para que serve tudo isto? Para que serve considerarmo-nos os Seres mais inteligentes de toda a cadeia da evolução, de sermos capazes de pensar e fazer coisas que mais nenhum outro consegue, se tudo é tão efémero, e depois tudo se esquece com tanta facilidade como se não tivéssemos existido?
Procurei de muitas formas, durante muito tempo que estas perguntas pudessem ser respondidas por mim e para mim. Hoje, eu tenho as Minhas Certezas e conclui que, eu sou um Ser: Biológico, Psicológico, Social, Histórico e Espiritual.
Foi quando me dei conta que eu também tenho um eu Espiritual, que tudo ficou mais lógico para mim e passei a considerar a vida como uma pedra preciosa, que tem que ser preservada acima de qualquer outra coisa.
Por vezes a gente lê ou ouve histórias e acha que as coisas se podem passar assim como se conta nas histórias. E por vezes também sabemos que as coisas não se passam assim e que não poderiam nunca passar-se assim, mas que é bom acreditar que as coisas se passam daquela forma que ouvimos ou lemos.
Acho que é bem melhor acreditar que as coisas se passam como as pessoas dizem ou escrevem nas suas histórias. Muito melhor, mesmo. Podemos dizer que era bom que se passasse assim, que as coisas fossem assim tal como nos dizem ou como lemos.
E podemos também dizer que ainda bem que as coisas não se passam assim como lemos ou ouvimos quando não gostamos. Mas as coisas, todas as coisas, equilibram-se sempre, porque há sempre um equilíbrio.
Quando isso tem lugar, quando não gostamos daquilo que ouvimos ou lemos dizemos para nós mesmos que as coisas deveriam passar-se de uma outra forma, daquela forma que nós gostaríamos que se passassem.
E então ficamos a gostar da nossa ideia sobre a forma como as coisas se deveriam passar. E desta nossa ideia já gostamos e esquecemos que ouvimos ou lemos aquela coisa de que não gostámos. Assim é que as coisas se passam, sempre, acho eu.
Comigo acontece isso sempre e não me lembro de alguma vez não ter gostado de uma história. Acho que só agora, há pouco tempo, comecei a duvidar disso, de que gosto de uma história, contada ou imaginada, sempre.
Bem, o que eu digo é que por vezes não é da história que foi contada ou lida que eu gosto, mas sim da história que eu imaginei contrariando a outra história.
A diferença é Macau - Texto de Leocardo publicado no Blogue Bairro do Oriente
Parte I: O luxo
Macau, Região Administrativa Especial da República Popular da China, ano de 2013. Milhares de turistas atravessam todos os meses as Portas do Cerco, chegam ao Terminal Marítimo do Porto Exterior, aterram no Aeroporto Internacional na Ponta da Cabrita, na Taipa. Nos aterros do NAPE brilham os neons dos casinos, os letreiros luminosos das lojas de penhores e das casas de câmbio.
Dentro dos hotéis de cinco estrelas proliferam os espaços comerciais das mais conhecidas multinacionais, onde se encontram roupas, malas, relógios, joalharia e outros adereços a preços proibitivos para o cidadão médio local.
Milhares de trabalhadores residentes e outros tantos não-residentes ganham a vida nos restaurantes, bares, saunas, clubes nocturnos e outros locais elegantemente exclusivos, ou atrás da mesa da roleta e do Bacará.
Pelos passeios largos pontuados por praças ajardinadas circulam os visitantes, os jogadores e alguns poucos curiosos. Os novos ricos topam-se à distância: sacos de compras, vestuário primando pelo ostensível, pautado por combinações aberrantes e traços de ruralidade que nem a pilhéria do neo-capitalismo conseguem disfarçar.
Pelas horas do lobo atacam as mulheres da vida e espreitam os agiotas; horas antes alguém havia furtivamente espalhado pelo chão panfletos que publicitam favores sexuais. Na Taipa, na «strip» do COTAI, mais do mesmo.
Odeleite, concelho de Castro Marim, distrito de Faro, por volta de 1890 era um aglomerado de casas habitadas por gente humilde, honesta e trabalhadora.
Devido à estagnação económica não existia trabalho que absorvesse a população potencialmente activa. Os poucos salários praticados não resolviam as exigências mínimas dos habitantes obrigando-os a emigrar para além do Guadiana. Muitos laços de família, de amizade, de negócio ou de trabalho se firmaram entre as duas margens do rio, unicamente, fronteira politica.
Perto da ribeira de Odeleite um jovem casal ocupa uma pequena casa térrea e, num curto espaço de dez anos, trazem ao mundo cinco filhos – Manuel, Joaquim, José, Amélia e Rosa.
Trabalhavam de sol a sol não se permitindo pausar e colocando os filhos a colaborar com eles, logo a partir dos 5/6 anos de idade.
Sem emprego fixo o pai «jogava mão» a tudo que lhe alimentasse a família. O pouco dinheiro que entrava na casa destinava-se à compra de roupa, sapatos, o necessário para a escola, produtos adquiridos na mercearia/tasca como azeite, açúcar, petróleo…e, outros artigos indispensáveis à sobrevivência, eram objecto de trocas…
O pai tanto trabalhava nas terras que rodeavam a casa semeando e colhendo favas, ervilhas, couves, cenouras, cebolas, alhos, tomates…como ia pelos matos caçar ou pescar na ribeira.
A mãe lidava em casa, mantendo o fogo aceso nas lajes da lareira, fazendo os jantares da família, lavando a roupa na água corrente e límpida da ribeira, utilizando cinza para lhe retirar o encardido, corando-a e pondo-a a secar em cima das moitas. A seu cargo havia ainda a criação de galinhas um ou outro coelho e um porco, alimento que, no futuro, daria para comerem nos dias invernosos.
Os filhos ajudavam indo ao moinho do «tio Bertolino», que ficava num monte próximo, trocando peixe ou caça que o pai conseguira apanhar, por farinha de trigo para a mãe amassar o pão ou de milho para as papas. As crianças gostavam de ir ao moinho fazer a encomenda das farinhas pois assistiam ao rodar das velas e das mós e traziam «mimos» do moleiro – um balaio de figos, cachos de uvas, alfarrobas…
Crónicas de Santarém - Por Arlete Piedade - O Peregrino
Sempre que entrava naquele velho palácio, onde funcionam vários serviços úteis á cidade e ainda a escola de danças de salão que o meu filho frequentou por três anos, uma sensação estranha de irrealidade me envolvia, de velhas memórias do passado trágico de pessoas apanhadas nas malhas de um destino que enlutou toda uma nação.
Pois que é voz corrente e aceite, conforme lápide de pedra afixada na frontaria do mesmo, que naquele local se erguia no século XVI o solar dos Sousa Coutinho, sob as ruínas do qual foi construído o actual Palácio Landal no século XVIII o qual tem sido objecto de restauro e usos diversos desde então.
Corria o século XVII, algures num daqueles anos seguintes á tragédia da batalha de Alcácer-Quibir, em que o rei português D. Sebastião foi dado como morto ou desaparecido em combate e com ele vários dos seus companheiros, numa batalha sangrenta no Norte de Africa e por tal facto condenou a liberdade da sua nação, ao morrer solteiro e sem herdeiros directos.
Ocasião que foi utilizada pelos reis espanhóis que se aproveitaram de factos sem contestação possível e se apoderaram da coroa portuguesa, perante a revolta impotente de vários fidalgos patriotas mas que não sentiam legitimidade para se rebelarem abertamente. Entre esses, destacava-se D. Manuel de Sousa Coutinho, casado em segundas núpcias com D. Madalena, viúva de D. João, falecido na batalha fatídica.
O DIA A DIA DOS BONZOS - Texto de António Manuel Fontes Cambeta - (Macau - China e Tailândia)
Diariamente os bonzos tomam conta do mosteiro efectuando diversas tarefas entre elas cortar a relva, varrendo os aposentos e lavando as instalações, rezam e estudam os ensinamentos budistas. Os bonzos levantam-se por volta das 05.00 horas, um deles toma conta de acordar os restantes.
As 05.30 horas iniciam as suas rezas seguindo depois para o exterior do mosteiro, acompanhados por um noviço e iniciam o seu peditório pelas casas da redondeza, para isso vão munidos da sua tigela. Os fiéis sabem da hora em que os bonzos passam perto de suas casas e ali os aguardam para lhes oferecer alimentos, outros há que vão directamente ao mosteiro fazer as suas ofertas.
Regressados ao mosteiros essas comidas recebidas são separadas pelos noviços que as espalham pelos pratos que depois irão servir ao bonzos como sua refeição. Os bonzos reúnem-se no Bot ou salão principal onde se encontra a imagem principal do Buda e ali aguardam que lhes seja entregue a comida, entretanto rezam agradecendo essa dádiva.
Vários toques são dados num gongo anunciando que a comida está pronta para ser servida, é nessa altura que as noviças fazem a entrega da comida aos bonzos ou vão tomar a sua refeição no exterior do mosteiro.
O Açougue Cultural T- Bone - Recolha de Daniel Teixeira.
Nota: Numa altura em que o projecto Biblioteca Popular Açougue Cultural T-Bone em Brasília acaba de comemorar (no passado dia 21 de Junho) os seus «Seis anos de leitura» colocamos também abaixo o texto e imagens que publicámos no Raizonline em Janeiro de 2009, altura em que tivemos conhecimento da existência do T-Bone.
De notar que o «Projecto» T-Bone começou em termos efectivos em 1994, conforme se depreende do nosso texto de Janeiro de 2009. As formalizações legais e não só alteram algumas datas no texto hoje recolhido no site T-Bone.
A primeira Biblioteca Popular foi inaugurada no dia 21 de junho de 2007, simbolizando o aniversário do escritor Machado de Assis. Ao longo dos anos, foram montadas outras estantes em pontos de ônibus da cidade, com livros disponíveis a qualquer cidadão, sem a exigência de documentos ou preenchimento de qualquer cadastro. Doações são feitas todos os dias. Prateleiras e conhecimento são renovados diariamente. Uma iniciativa que estimula a leitura e promove a rotatividade dos livros.
A outra vertente do projeto são as Estações Culturais, compostas de totens multimédia com acesso à internet. O usuário pode, de forma gratuita, acessar desde e-mail e redes sociais até oportunidades de trabalho e serviços públicos disponibilizados online.
Hoje são oito Estações Culturais, sendo sete localizadas na W3 Norte (nas Paradas Culturais das quadras 511, 512, 513, 515, 715, 713, 712) e uma no Setor Bancário Sul (em frente ao Edifício Sede I do BB). A nona Estação Cultural será inaugurada ao lado do Açougue T-bone. Este projeto é em parceria com a fundação Banco do Brasil.
Jornal Raizonline nº 228 de 24 de Junho de 2013 - COLUNA UM - Daniel Teixeira - As minhas memórias mais próximas (XLIX) - Começar de novo ou mudar de vida
Fiquei um pouco surpreso quando li no Blogue Alcoutim Livre, dirigido pelo amigo José Varzeano, que este ia, pelo menos, suspender a actividade do Blogue, por todo um conjunto de razões que aponta. O meu conhecimento directo com o José Varzeano é praticamente nulo, e digo praticamente porque na verdade acaba por haver sempre um conhecimento directo através do conhecimento indirecto que a Internet faculta.
Entre as razões apontadas, para além das familiares que eu conheço tão bem, há sempre aquela razão que como se costuma dizer «faz transbordar o vaso». Embora não acredite muito que uma só razão seja a gota de água, ou que essa razão possa funcionar como tal (é preciso não esquecer que para o vaso transbordar é preciso que esteja cheio) pareceu-me entender que havia da parte deste amigo alguma frustração pela quebra estatística de leituras no Blogue.
Bem... gostaria de contar algumas partes da minha história que se enquadram dentro deste discurso: no meu primeiro tempo de Internet havia um site no Brasil, dirigido pelo Soares Feitosa, que era uma verdadeira enciclopédia de poesia e de poetas. Havia ainda um outro Blogue que se dedicava exclusivamente a divulgar poetisas que praticamente tinha tudo sobre a poesia feminina ou feita pelo sexo feminino, havia...havia...havia, todo um conjunto de sites, em plena pujança, que na altura, em páginas minhas que ainda vão mexendo, eu colocava como referências.
De tempos a tempos faço uma volta por esses sites (que durante estes anos todos juntaram milhões de visitas - 1.874.890 neste site, por exemplo) isto apesar de eu não lhes mexer (já nem sei os códigos de acesso e nem me tenho preocupado muito com isso) e verifico que daqueles links que eu forneci na altura, há talvez 10 anos, muito poucos estão «vivos».
Por outro lado, em pesquisas sobre coisas antigas, sou confrontado muitas vezes com sites informaticamente activos, mas sem actividade há cinco anos, quatro, etc. O post de despedida encima muitos deles, com explicações que normalmente se relacionam com o tempo de vida de cada site ou blogue, ou seja, entende-se que os sites e os blogues, pelo menos na forma expressa, têm um tempo de vida e que todas as coisas têm um fim.
No tempo das Lojas da aldeia - Texto de Arlete Piedade
Recordo o tempo em que criança, acompanhava a minha mãe á loja da aldeia. Lá havia também a caixa do correio, onde podíamos deitar as cartas ou bilhetes postais que quiséssemos enviar e também onde podíamos receber as que nos eram enviadas. Só mais tarde, quando eu era já adolescente, recordo de haver um carteiro que entregava as cartas porta a porta.
Na loja era também onde se situava o único telefone público da aldeia e onde podíamos telefonar mediante pagamento dos impulsos gastos como é evidente. Só que privacidade não havia nenhuma, o telefone estava num canto do lado de dentro do balcão e tínhamos que falar em público, estivesse quem estivesse presente. Ainda hoje passados várias dezenas de anos, desde o fecho da loja e da morte dos donos, está lá afixada no exterior do edifício a placa de telefone público.
Na loja fazia-se o avio da semana, ou seja as compras de mercearia para toda a semana, compostas de bacalhau seco, açúcar, café de cevada, arroz, massa em meada ou pevidinha, assim como sabão azul e branco para lavar a roupa, artigos de costura, como linhas, botões, agulhas e tecidos a metro de vários padrões e para vários fins.
O bacalhau era comprado ao peso, e cortado na altura, como aliás continua a ser ainda hoje nos grandes hipermercados, mas também o arroz, as massas, o açúcar e o café eram vendidos a peso e embrulhados em papel pardo ou embalados em cartuchos de papel que se faziam na altura, enrolando uma folha de papel ou metade ou um quarto, consoante as quantidades da compra.
No mesmo local, comprava-se também o tecido de cotim azul para fazer as calças para os homens, assim como o pano para fazer as camisas e as blusas e saias para as mulheres, e os vestidinhos para as crianças.
A voz das ruas - Por Abilio Pacheco - (18 de junho de 2013) A insatisfação é geral!
O movimento que teve início após as manifestações em São Paulo e que nos próximos dias ainda resultarão em protestos em várias outras capitais e outras cidades do Brasil (além dos apoios de brasileiros que estão morando em outros países) é fruto de uma insatisfação geral.
O Brasil vai bem na foto. Todo cidadão Europeu, pensa que aqui não existe crise, que o país (por estar em ascenção econômica sendo o quinto/sexto mais rico) resolveu seus problemas internos mais gritantes, que os brasileiros estão usufruindo dessa rica e que são hoje o que um cidadão europeu era há 30 anos, que a população tem acesso a direitos básicos com qualidade. Mas não é nada disso. «Quem quiser venha, mas só um de cada vez», como diz a letra do Mosaico de Ravena (e eu tenho sempre a impressão que na Amazônia a coisa está muito pior).
E afinal, quais os porquês dos protestos? Protesto contra ônibus cheios de baratas e vans caindo aos pedaços, contra falta de linhas de ônibus para determinados lugares, contra a passagem excessivamente cara e incondizente com ônibus e atendimento;
protesto contra os salários que não sobem conforme a inflação ou mais que ela, contra impostos que crescem mais e que levam mais de 40% do que se ganha, em outras palavras, contra a alta carga tributária;
protesto contra novas regras nas leis trabalhistas para empregadas domésticas que tem resultado numa escalada de demissões (quem ganhava pouco passou a ganhar nada);
protesto contra uma mídia que ajuda a proliferar estereótipos e preconceitos, além de criar novos (a imagem da patroete criada pela novela á altamente ofensiva a qualquer pessoa que tenha a necessidade de contratar secretárias, «do lar»), contra uma mídia que higieniza as notícias políticas mas nos servem sangue como catchup na hora do almoço;
O Apito da Panela de Pressão - Texto de Antônio Carlos Affonso dos Santos - Acas
Sempre que acontecem manifestações e atos públicos de protesto, lembro-me de dois conselhos que já ouvi na vida.
O primeiro é o conselho do velho Kimura, pai de um antigo colega de prancheta da Cobrasma e exímio cozinheiro: quando um caminhão faz muito barulho ele está vazio, nada tem em seu interior; porém se ele fizer um barulho audível e marcante, ele está pleno de carga e conteúdo.
O segundo conselho que tive um dia e que marca minha vida é aquele da panela de pressão; minha mãe Guidinha, quando teve sua primeira panela de pressão, estava um dia cozinhando nosso jantar, quando a panela começou a apitar. Preocupado e não menos curioso, perguntei a minha mãe: - por que a panela estava apitando? Ela me disse que o apito era a confirmação de que «as coisas» que estavam dentro dela estavam começando a ferver e que era quase impossível conseguir que «aquelas coisas» não começassem a se transformar a partir do momento do apito. Acrescentou ainda que era muito perigoso tentar fazê-la parar de apitar, visto que podia explodir, causando estragos inimagináveis.
Bem; a par e passo com a copa das confederações, está acontecendo no Brasil (país tradicionalmente não afeito a protestos populares), as passeatas de cunho econômico, político e social.
Diferente das outras que tivemos («caras pintadas»; «diretas já»; etc.), dessa vez não são políticos que comandam as passeatas; embora alguns partidos tentem tirar proveito da situação, pagando para seus aliados a se misturarem à ror, com a bandeira do partido, com o fito específico de granjear simpatias que se transformem em votos. -Que fiasco e que mico!
Viva como as flores - Texto e imagens de Irene Fernandes Abreu - Blogue Valium50 - Macau - China
Há três métodos para ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; e terceiro, por experiência, que é o mais amargo. (Confúcio)
Contam as lendas que o filósofo Confúcio dava excelentes e sábios conselhos. Vejam este:
-«Mestre, como faço para não me aborrecer? Algumas pessoas falam demais, outras são ignorantes. Algumas são indiferentes. Sinto ódio das que são mentirosas. Sofro com as que caluniam. Que fazer para não me sentir tão infeliz com a maldade que me rodeia?
E o nosso sábio, tinha a resposta na ponta da língua:
- «Pois viva como as flores!» - advertiu o mestre.
- «Mas mestre, como é viver como as flores?» - perguntou o discípulo, pensando que o mestre estaria a brincar com ele.
– «Repare nestas flores - continuou o mestre imperturbável no seu saber, apontando os lírios que cresciam no jardim – Elas nascem no esterco, entretanto, são puras e perfumadas. Extraem do adubo malcheiroso tudo que lhes é útil e saudável, mas não permitem que o azedume da terra manche o frescor das suas pétalas.
Justo é angustiar-se com as próprias culpas, mas não é sábio permitir que os vícios dos outros o importunem. Os defeitos deles são deles, e não seus. Se não são seus, não há razão para aborrecimento. Exercite, pois, a virtude de rejeitar todo o mal que vem de fora... Isso é viver como as flores...»
Um Conto - Por Emerson Wiskow - O amor perdoa tudo
A jogada foi boa. Nadinho deu a primeira tacada com força e as bolas espalharam-se pela mesa. Caiu uma, duas, e uma terceira insinuou-se na caçapa, lambeu a borda e caiu suave. O silêncio tomou conta do bar, cortado apenas pelo rolar da bola 5 caçapa adentro.
Nadinho continuou até chegar a vez de Guilherme jogar. Guilherme olhou tentando disfarçar o espanto, molhou a garganta com um belo gole de cerveja, deslizou o giz no taco e debruçou-se sobre a mesa como se ela fosse sua amante.
Logo após ele deu a sua tacada enquanto o sol escaldante queimava lá fora. Nada caiu, os olhos de Guilherme ziguezaguearam atrás das bolas coloridas até o momento delas pararem de rolar.
Nadinho tragou o seu cigarro no silêncio do bar, lançou a fumaça no ar, espantou a mosca que descansava sobre a borda do seu copo de cerveja e sorveu o último gole. - Trás outra! - gritou Nadinho ajeitando-se sobre a mesa.
Valdomiro trouxe a cerveja e colocou-a sobre o balcão. Nadinho encaçapou novamente, depois, estrategicamente colou uma bola noutra. Guilherme escorou o queixo no taco, observou a mesa com um olhar fixo, compenetrado, e depois fez a sua jogada.
O cara ao lado fez uma careta e misturou mais um pouco de Coca na sua cachaça, nada caiu, e assim foi praticamente durante todo o jogo. Era a nêga, e Guilherme havia perdido.
Perdera a nêga e os únicos cinqüenta reais que tinha. «Cinqüentinha», pensou Guilherme enquanto saía do bar escondendo os olhos do sol.
Tragédia não era ter perdido cinqüenta «pila» na sinuca, mas sim, ter que encarar Joana em casa. Aquilo sim seria barra, Guilherme imaginava Joana cuspindo fogo pela boca, com os olhos ameaçadores querendo engoli- lo vivo.
Guilherme deu meia volta, entrou numa ruela, chutou um vira-lata que quase o mordeu e, alguns minutos depois bateu palmas em frente a casa de Janaina.