segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Sobre a Música lá fora - Por Eugénio Lisboa

 
Sobre a Música lá fora - Por Eugénio Lisboa
 
Recolhido em Livres Pensantes
 
«Não é infrequente serem as virtudes mais profundas de um autor as principais responsáveis pelo seu (ainda que relativo) esquecimento ou ... provisório abandono. As virtudes cardeais, observava Montherlant, isolam. E, entre nós, o autoapagamento dos discretos e dos nobres é pesadamente facturado pelos que tomam, de roldão, os palcos, as luzes da ribalta e as buzinas da autopromoção.
 
Tem-se visto, vê-se todos os dias. E a náusea que nos assiste não é obstáculo à continuação dos que aos trinta e pouco já publicam a sua Obra Reunida e dirigem, com autoridade e desplante, a orquestra que promove lá fora a cultura indígena: com mais ou menos falta de conhecimento, mas com muito brio e uma corte sempre prestável e afável.
 
Saul Dias, pseudónimo literário de Júlio Maria dos Reis Pereira, foi toda a vida um discreto, cantando, com pudor, nos interstícios do silêncio, e vivendo, com igual pudor, nas dobras do retiro. Na pintura, no desenho, na poesia, foi sempre o bardo de uma eloquência discreta e subtil, talvez, por isso mesmo, mais secretamente forte, ainda que menos ruidosamente visível.
 
Observava André Gide que «arte mais subtil, mais forte e mais profunda é aquela que não se dá, logo às primeiras, a ser reconhecida.» No tempo da presença e no discurso dos anos que se lhe seguiram, Saul Dias / Júlio só deu, de comparável à intensidade do seu empenho, a nobre firmeza do seu nobilíssimo apagamento.
 
Eloquente e retórico, pelo menos numa primeira fase (que não sempre), seu irmão José Maria furtava-se aos outros por via do truque duplo de um retiro físico no (então) remoto Alentejo e de um jogo de máscaras com que se esquivava mesmo quando parecia que se entregava.
 
 

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