domingo, 2 de fevereiro de 2014

noites brancas e diabólicas - Recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»



noites brancas e diabólicas
Recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»
 
Comecemos por dois mistérios. O lançamento do último livro de Knut Hamsun editado pela Cavalo de Ferro não figurava nos destaques da reentré literária dos principais suplementos culturais do país. Apanhou-me, portanto desprevenida quando fui à livraria buscar as novidades que planeara ler.

A sua capa negra com uma imagem de Munch tinha os olhos postos em mim e não me restava senão devolver o olhar. São assim as peripécias de uma leitora fútil que tende a julgar os livros pela capa.
A chamada misteriosa continuou em casa. O livro estava impertinente por sair da estante para o meu regaço, tendo-me obrigado a adiar outras leituras urgentes. E assim começaram as minhas noites diabólicas com os Mistérios de Knut Hamsun.

Não vou explicar o uso deste adjectivo, mas garanto que é o mais próximo desta experiência nocturna de leitura. Terminada a leitura diária, o livro continuava a comunicar comigo, oferecendo-me sonhos perturbados e nervosos. Sonhos que podiam ser tidos como pesadelos, não fosse a sua natureza branca. Só depois de terminar a leitura do livro, li as habituais citações da contracapa. «Mistérios é tão próximo e tão inquietante quando o nosso sonho (ou pesadelo) da noite passada» (New York Times). Que me lembre, nunca tal comunicação inconsciente me tinha acontecido com um livro. Uma proximidade inquietante.

Knut Hamsun é tido por muitos, sobretudo grandes escritores, como um dos maiores. A julgar pela capacidade de me perturbar, parece-me um título merecido. De Mistérios, disse Henry Miller: «está mais próximo de mim do que qualquer outro livro que eu tenha lido». Talvez Miller tenha sentido a mesma empatia disruptiva que eu senti por Johan Nilsen Nagel, o misterioso estrangeiro que sem nenhuma razão aparente se instala por um período breve numa pequena cidade costeira da Noruega.
 

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