domingo, 2 de fevereiro de 2014

Que fazer quando tudo ardeu? - Texto recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»

   
 
Que fazer quando tudo ardeu?
Texto recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»
No meu quarto há uma réplica da Ofélia morta de Millais. Agrada-me adormecer sob o signo daquela que morreu de amor. Criada ou não pela literatura, tive desde idade muito precoce uma propensão para amores fatais. Desconfiava dos amores calmos e seguros e, como seria de prever, dediquei a primeira década adulta a coleccionar paixões impossíveis e várias crises nervosas. Consegui, apesar de tudo, chegar aos trinta anos com várias mortes imaginárias mas nenhum óbito efectivo.
  A morte real foi sempre interrompida pela leitora que há em mim; insónia após insónia, narrativizava cada amor até me aperceber que o amante em questão era demasiado medíocre para um desfecho tão sublime. Não quero com isto desvalorizar os homens que amei ou julguei amar, eles foram os amantes necessários. Lidos no seu conjunto, eles contam a história da formação do meu desejo. Como peças de um puzzle ou fragmentos de uma epopeia menor.

Franchisado o desamor, comecei a interessar-me por outro tipo de heroínas literárias: as que sobrevivem ao fim do amor. Neste campo, também não é fácil encontrar uma personagem à altura do meu desejo. Se a literatura parece exímia a ensinar os corações a despedaçarem-se, poucas são as pistas para quem deseja um caminho alternativo.
 

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