O Filho - Por Manuel Fragata de Morais
Este conto faz parte do seu livro «Momento de Ilusão».
«E viu-se outro sinal no céu; e eis que era um grande dragão vermelho...e o dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para que, dando à luz, lhe tragasse o filho. S. JOAO - APOCALIPSE 12»
«E viu-se outro sinal no céu; e eis que era um grande dragão vermelho...e o dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para que, dando à luz, lhe tragasse o filho. S. JOAO - APOCALIPSE 12»
Há sete longos anos que o filho lhe remexia as entranhas. Não havia dúvida, há sete anos que a criança a apalpava por dentro, que lhe falava em silêncio penoso. No início da gravidez os médicos observaram-na cuidadosamente, todavia, à medida que os meses passavam, insinuaram uma gravidez psicológica. Ao décimo sete mês, uma amiga, insidiosa, propôs-lhe a possibilidade de uma barriga de água.
«Não sabes o que é, eu explico-te?...», ofereceu-se.
As íntimas, propuseram os remédios da terra, a visita aos kimbandas, aos adivinhos. Não haveria nada a perder, que não tentasse esconder o que é da terra. Mulher grávida há sete anos só pode ser curada com a tradição, com o debicar engasgado do galo.
Angustiada, cruzou as longas pernas, vestia o robe de chambre azul cor das águas e reclinou-se no cadeirão de couro da vasta sala de visitas de sua casa. Acendeu, silenciosa, um cigarro. Não queria ser apanhada em kimbandas. Isso não. Seria o perder do pudor, sabia que os rótulos se arquitectam nos vastos silêncios sociais.
Atirou, com displicência, o fósforo para o cinzeiro e serviu, da pequena mesa ao lado uma bebida, levando-a à boca em longos e melancólicos sorvos. Olhou para o quadro pendurado na parede oposta. Paisagem típica africana, o capim em movimento, fustigado pela brisa da tarde.
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