domingo, 2 de fevereiro de 2014

Professor de sonhos - Por Cecílio Elias Netto


 
 
Professor de sonhos

Por Cecílio Elias Netto

Viver vive-se vivendo (8)

Cientistas advertem o mundo para uma situação alarmante: as neves do Kilimandjaro estão derretendo. Dentro de vinte anos, não mais existirão. As futuras gerações apenas saberão daquela beleza porque houve contadores de histórias registrando - a, pinturas, fotografias.

Essas minhas emoções proustianas, caipiramente proustianas, têm esse único sentido: contar o que aconteceu, o que houve, como as coisas eram, como se vivia, antes que os novos tempos atropelem tudo de uma vez. Nada há de mim, a não ser impressões. Vejo-me como observador que viu, alguém que participou e que precisa contar. Como se fosse um registro. Nossos netos têm o direito de saber como era o mundo em que vivemos. E a cidade onde nossa vida aconteceu.

Sou dominado pela figura terna do Joãozinho Feliciano, meu primeiro professor de sonhos. Nesse meu tempo de quase ir-me, espanto-me de saber que ele mora pertinho de minha casa, que posso vê-lo, em alguns entardeceres, a carapinha branca, tomando cerveja à porta de um bar. E, então, quanto mais vejo o tempo escoar-se, mais sinto que meu olhar para o mundo surgiu do olhar de Joãozinho, esse que se tornou um ser humano maravilhoso, o negro sempre sorridente com generosidade dos santos. Joãozinho sabia mexer na terra, cutucar o quintal em busca de minhoca, colocar gosma de jaca para, em pedacinhos de pau, aprisionar passarinhos.
 

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