De novo a Escola: Três Séculos de Polémica
Pe. Senra Coelho, Instituto Superior de Teologia de Évora
O Ensino de 1759 a 1910
O século XVIII surge, sobre diversos pontos de vista, marcado como um tempo de rupturas, sobretudo no ponto de vista das ideias, pois as preocupações intelectuais abandonaram o campo da metafísica e das verdades fundamentais para se dedicarem à filosofia experimental e social, que inspirava o progresso da ciência e o advento da burguesia no poder. Todavia, sabemos que não é possível confiar no progresso, no desenvolvimento e no futuro, se não existirem condições para que cada um possa exprimir as riquezas que possui; através da liberdade de expressão. Grande parte dos filósofos dos anos 1700 participou nesta luta, sobretudo nos países ditos mais avançados da Europa Ocidental. O grande símbolo de todo este movimento foi François-Marie Arouet, conhecido por Voltaire (1694-1778).
Depois da Revolução Francesa, a sociedade liberal desenvolveu-se por todo o Ocidente, fazendo da tolerância o seu princípio fundamental. Era convicção comum dos liberais, que se devia admitir o contraste, incluindo no poder, pois a variedade das experiências e dos ideais devolvia a riqueza à sociedade. Para esta compreensão não existe verdade definitiva, mas somente verdades individuais, afirmando-se que na concorrência entre estas verdades se constituía a fonte do progresso colectivo.
Ora a Igreja nunca condividiu esta visão relativista das coisas. A Igreja sabe que a Verdade existe, ainda que permaneça sempre parcialmente escondida e que o erro não tem os mesmos direitos que a Verdade. Contra esta postura da Igreja combateu Voltaire.
A contradição entre a Igreja e a Sociedade era mais aparente do que real, pois a contestação dirigida contra o cristianismo, não era tanto a recusa dos dogmas da Igreja, assimilados pelo Povo Crente mas era sobretudo o renascimento de uma compreensão naturalista do Homem, que posteriormente se tornou em exclusivista e intolerante e assim aconteceu sobretudo no referente às Universidades e Escolas Católicas e às Ordens Religiosas que detinham e controlavam este ensino.
O ascendente dos Jesuítas na vida nacional cresceu muito depois da restauração, em virtude do auxílio que os seus membros prestaram a D. João IV (1 Dez. (1640 – 6 de Nov. 1656). Esta situação de relevo na corte, no ensino, nas missões, na cultura intelectual, suscitou à Companhia de Jesus a desconfiança de alguns políticos que nela viam uma poderosa concorrente.
A perseguição aos Jesuítas iniciou-se em Portugal e em seus domínios, nomeadamente no Brasil, sob a responsabilidade do Marquês de Pombal. A 21 de Setembro de 1757, ás quatros horas da madrugada, deu-se a expulsão dos Jesuítas do Paço Real e a 3 de Setembro de 1759 os Jesuítas foram «desnaturalizados, proscritos e exterminados de Portugal».
Deve ter contribuído para a perseguição a sugestão que exerceu no espírito do estadista o ambiente de Londres e de Viena e nele é clara a convicção de que a Companhia de Jesus era um estorvo para os seus planos de governo e de transformação cultural de Portugal. A crueldade de que se revestiu estava no carácter do Marquês, que foi igualmente violento com a nobreza, por exemplo com os Tévoras e com o povo, como aconteceu nas execuções do Porto. O próprio Voltaire viu «um excesso de ridículo e absurdo junto ao excesso de horror na execução do Padre Gabriel Malagrida, septuagenário debilitado, no trágico dia 21 de Setembro de 1761.
No Brasil, a luta contra os Jesuítas vinha desde há muito e tinha por objecto único a exploração dos indígenas que os Jesuítas contrariavam com a defesa e promoção dos seus direitos, obstaculizando assim os interesses dos colonos.
Estatização do Ensino (1910-2010)
O monopólio actual do ensino, quase exclusivamente nas mãos do Estado, o qual assume os critérios programáticos, didácticos e pedagógicos da escola com uma perspectiva tololitarista e monolítica, é algo de muito grave e fere princípios básicos de liberdade.
A sobrevivência do ensino privado como alternativa, acontece com encargos redobrados para os pais, que sustentam com os seus impostos o ensino público e devem sustentar pessoalmente o pagamento do ensino privado. Para além da falta de pluralidade na elaboração dos conteúdos programáticos do ensino administrado pelos particulares, que permanece como monopólio do Estado, com reduzidas e controladas excepções pedagógicas e didácticos, o ensino privado vive uma crescente agonia financeira.
Chegou-se a este estado de coisas também pelo progressivo enfraquecimento das Ordens Religiosas que contribuíram decisivamente para a escolarização e formação intelectual de inúmeras gerações portuguesas, com uma qualidade de ensino inquestionável.
A frequente ideologização dos programas de várias matérias tem contribuído para a crescente fragmentação e radicalização da vida pública portuguesa e isto iniciou-se historicamente com a expulsão dos Jesuítas em 1759 e depois das Ordens Religiosas em 1834, agravando-se mais recentemente com os assaltos totalitaristas ocorridos em 1910 (Decreto de 8 e 18 de Outubro); 1927 (Decreto 13791, de 17 de Junho); e 1974-75 (Novas Regras do ensino, 22.05.1974, 10 de Janeiro e 12 de Fevereiro de 1975).
A luta pela tolerância terminou, em muitos casos, na intolerância, a qual chega a atingir dimensões de fundamentalismo laicista em certos ambientes da actual Europa, não se excluindo Portugal.
Exigências do Ensino, hoje
O Estado continua em nome da pluralidade e da socialização, apostando num sistema totalitário de ensino estatizado e monocórdico em evidente crise de qualidade que consensualmente todos testemunhamos, mas que demagogicamente se disfarça com o argumento da Democratização do mesmo ensino.
Simultaneamente, o ensino ministrado em Escolas da Igreja, ou de Inspiração Cristã, apesar das grandes dificuldades que enfrenta e dos poucos estímulos com que conta, continua a proporcionar ensino de referencia e de alta qualidade, quase sempre desejado por pais e encarregados de educação, até mesmo ditos agnósticos e ateus.
«A Liberdade e ensinar é um direito fundamental da pessoa humana». Ao Estado é exigido que não «tenha um monopólio do serviço público de Educação» e que ao mesmo tempo seja «menos centralizador e mais incentivador de iniciativas e de um espírito criador autónomo» (1).
Pe. Senra Coelho
NOTA:
1 - Cf. O documento, do Gabinete de Estudos Pastorais da Conferência Episcopal Portuguesa, Setembro de 2010.
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