Chama-se Complexo do Alemão, esse submundo ermo e superpovoado de que sempre se ouve falar pelas piores razões: crime, droga, prostituição, pobreza...foi para descobrir o que as câmaras e a demolidora cortina mediática pouco mostram que os irmãos se aventuraram a partir de Portugal para o Brasil e a fazer o que muitos, cá e lá, julgaram impossível: revelar o pulsar da vida na zona onde "ou se mata ou se morre". Ou, noutra perspectiva, provar a capacidade dos profissionais de cinema nacionais rasgarem horizontes, conquistando mais terreno fílmico, mais temáticas, mais público...
Pegando num par de pessoas que, dia após dia, desafiam a fatalidade e se desembaraçam das amarras da resignação, é através do testemunho relatado de Seu Zé e Dona Célia, mais que pela sua acção e relação natural com vizinhos ou outros, que seguimos o incansável empenhamento dele na promoção da sustentabilidade da vida comunitária no morro e a persistente luta dela na sustentação e promoção da família - sete filhos e um marido não cooperante incluídos. Pelo caminho, outros habitantes da comunidade são vistos e ouvidos, como dois jovens que, encapuçados e de arma em punho se insurgem contra a ineficácia e o envolvimento corrupto da polícia na sua estratégia de relação com o crime nas favelas.
Dominando consideravelmente a técnica cinematográfica, com uma câmara dinâmica que opta, oportunamente, por se deter ante uma paisagem, um testemunho, o filme tem provavelmente na direcção fotográfica a sua melhor qualidade.
O jogo cuidadoso que se joga em certas sequências, com a força da imagem e da palavra a despique, é tal que dificilmente se pode aceitar a assumpção deste filme como documentário. Não, aqui tudo é intencional, nem sempre isento, e segue a um ritmo e discurso bem dominado pelo realizador, mais que impelido pelo seu objecto. Há causas, há ideias e uma mensagem que se quer fazer passar. E pedem, por isso, debate ao espectador.
Margarida Ataíde
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