Um pequeno matador - Por Cecílio Elias Netto - Viver vive-se vivendo (11)
As almas são bordadas com filigranas estranhas. Nunca, talvez, haveremos de saber qual o segredo, mas é como se, ao abrir os olhos para o mundo – escapando do aconchego do útero – a criança já visse a história escrita por antecipação. Conforme a alma que recebe, tal será a sua caminhada.
Para escritores, os céus tecem almas de porcelana. Frágeis. Uma brisa pode transformá-las em estilhaços. E, de estilhaço em estilhaço, lá se vão essas almas construindo histórias pessoais.
Contei-o muitas vezes, conto sempre, mas parece, ainda hoje, não bastar-me conta-lo. E é como se o primeiro estilhaço de alma ainda me acompanhasse. E, então, lá estava eu, nos meus seis anos de idade, transformado em pequeno matador. Eu, matador – eis como me vi, como ainda me vejo. E, nas minhas mãos trémulas, um passarinho também trémulo, aquele tremor de medo ou de morte de que, ainda agora, não me esqueço. E, em minhas mãos, a mancha de sangue, gotículas apenas, mas o sangue da morte, o sangue do inocente.
Matei o passarinho. E de maneira tão gratuita e sem sentido e sem explicação que aquela morte me acompanha. O nome de um outro amiguinho meu, filho da lavadeira do Hotel Lago, era Zezo. Um dia, uma de nossas vizinhas – impaciente, infeliz, envenenada de seus preconceitos arianos – enxotou-nos do muro onde estávamos pendurados, talvez fugindo dos «bandidos» ou querendo encontrá-los.
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