sexta-feira, 21 de março de 2014

Epifanias de uma alma pequena - Texto retirado de «As leituras de madame Bovary»


Epifanias de uma alma pequena - Texto retirado de «As leituras de madame Bovary»

Acredito na existência da alma. Acredito porque já senti a minha a querer partir-me o peito algumas vezes. Uma alma curiosa e inquieta e não aceita confinar-se a nada, recusa convenções e devoções e nem sempre obedece aos meus desígnios.

 As vantagens e as despesas de uma alma deste tipo são conhecidas. O bem e o mal coincidem no mesmo ponto, a imaginação empática. Gosta-se demasiado de visitar e imaginar toda e qualquer alteridade, pois o que interessa é abarcar a vida nas suas múltiplas manifestações e contradições.

 Uma vez ofereceram-me um workshop de Reiki. Acontecia a um sábado e, apesar da generosidade da oferta, o corpo clamava por praia. Após uma longa hesitação, acabei por me levantar bem cedo e ir ao workshop, de algum modo convencida que se não abdicasse de um dia de Verão, a minha alma estaria condenada a um materialismo opressivo. Aguentei a manhã e a tarde no workshop, contrariando ora a minha vontade de fugir, ora o riso convulsivo.

 No entanto, o reiki acabou por me oferecer duas epifanias. A primeira aconteceu durante o workshop. Todas as mulheres que frequentavam o mesmo, à excepção de mim, tinham alguma doença complicada. Uma deles ficou indignada, quando um dos mestres lhe deu a ler o significado espiritual da síndrome de Crohn: parece que só acontece aos lambe-cus. E foi então que a certo momento, eu vi, eu soube: as quatro mulheres que ali estavam, tinham trocado o sol e os pés descalços sobre a areia, porque estavam perdidas e precisavam desesperadamente de um sentido para a vida. Eu inclusive.

 A segunda aconteceu no dia seguinte ao workshop. Depois de iniciada ao reiki, há que meditar uma hora durante 30 dias. Nunca consegui meditar mas como as mãos aqueciam realmente, decidi tentar. Pus o CD com os sininhos e comecei os exercícios sentada na cadeira. Quinze minutos depois estava deitada na cama a aldrabar todos os exercícios e fui forçada a ser sincera comigo. Admiti que não conseguia meditar, que o reiki fazia muito bem a muita gente mas a mim só me tirava os pés do chão para a cama e que durante o tempo que ali estivera, não conseguira esvaziar a mente pelo constante lamento de estar a desperdiçar tempo que podia gastar a ler. Senti-me muito mais leve depois disto e aproveitei a vela para alumiar a leitura dessa noite e meditar nos pensamentos e acções das personagens que então me ocupavam.


Leia este tema completo a partir de 25 de Março de 2014 carregando aqui

Sem comentários:

Enviar um comentário