sábado, 22 de março de 2014

Os preceitos do Baldão - Por José Francisco Colaço Guerreiro


Os preceitos do Baldão - Por José Francisco Colaço Guerreiro

Recolhido em Património

Em volta de uma mesa sentam-se os cantadores, normalmente juntinhos e sobre a mesma dispõem-se os copos e coloca-se o mais.Buscam posições , procuram parceiros, trocam olhares fugidios, disfarçadamente miram a aparência dos concorrentes, tossem, pigarreiam , limpam a garganta, passam sugestivamente a mão pelo pescoço e invariavelmente lamentam-se pela sua fala que hoje para nada presta.

 Tenho estado tão constipado....se calhar até nem canto, é costume dizerem.

 Mas cantam sempre, é uma desculpa adiantada para qualquer falho ou para iludir os outros se eles se fiarem nas queixas.

Entretanto, todos se aconchegam, ajeitam-se nos lugares para darem largueza ao tocador. E a campaniça começa a retenir a moda da marianita do principio ao fim. Sempre assim foi e assim será . Tal como o rumo das cantigas segue obrigatoriamente o percurso inverso ao sentido dos ponteiros do relógio. Um preceito. Uma regra que ficou estabelecida desde o início deste cante para que cada vez que se juntam não tenham de estar a preocupar-se com os pormenores da volta.

Mas depois dos primeiros acordes, os olhares fixam-se na boca e os sentidos nos dizeres do cantador que é o mão. Cresce a tensão, aumenta o desejo, redobra o frenesim e o silencio do principiante é insuportável. O tocador que já percorreu a moda ponto por ponto então sustem-se , já não abala , pisa as cordas com os dedos esquerdos e desata a repetir a chamada com a unha acrescentada do polegar direito fazendo soltar a viola ganidos de impaciência . Chegados aqui , o cantador já sem saída , ganha fôlego, fecha os olhos, enterra a boina e lá vai.



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