sexta-feira, 7 de março de 2014

Perda de ser amado - Por Albert Camus- Recolhido em Livres Pensantes

 
 
Perda de ser amado - Por Albert Camus- Recolhido em Livres Pensantes
 
«Perda de ser amado, incerteza daquilo que somos; são as ausências que segregam as nossas piores dores. Podemos ser idealistas, mas precisamos do tangível. E é numa presença que julgamos encontrar a certeza. E, embora a não amemos, pelo menos vivemos nessa necessidade.
Mas o que é espantoso, ou o que é triste, é que essas faltas nos trazem o remédio ao mesmo tempo do que a dor.
 
Reconhecemos que a certeza adquirida - o ser amado - obstruía uma grande parte do possível, que vemos agora puro como o céu lavado pela chuva. Da lassidão nasce a disponibilidade .Ser é parar. Mas não vivemos para parar. Quando estamos disponíveis procuramos de novo, enriquecidos pela dor. E este impulso constante cai para ganhar forças. A queda é brutal, mas recomeçamos sempre.
 
Quando um interesse da nossa vida se esboroa aos nossos pés, transferimos para uma nova, para passar a outra, e assim por diante sem desfalecer. Incessante necessidade de crer, perpétua projecção para a frente - havemos de representar muito tempo esta comédia iniludível. Todavia, alguns jogam este jogo lastimável nos momentos decisivos. Contemplam as suas vidas inteiras para se convencerem de grandeza. Agita-se neles uma frágil esperança: quem sabe? A recompensa ...ou então...
 
Mas porquê falar de comédia e de jogo? Nada do que é vivido é comédia. As nossas mentiras mais cínicas, as nossas hipocrisias mais vis, merecem o respeito ou a piedade que se deve a cada coisa viva. Entretanto, é possível , com efeito, que a nossa vida seja construída por nós. Mas se devemos acreditar que viver não é senão criar, há neste gesto que provoca o nosso esmagamento uma singular e refinada crueldade.
 
Não é fácil acreditar que, na ausência de uma providência que contabilize as suas dores, o homem - heautontimorumenos - faça a sua própria provisão de desespero. E é inevitável que o idealista , por mais impenitente, esqueça a sua filosofia diante da morte de um filho.
 
Mas há homens que julgam tudo ter perdido com a morte da mulher. Apercebem-se de que , a partir dessa infelicidade, uma nova vida vai começar. E por mais que essa vida seja feita de renúncia e de desgosto, o patetismo de uma existência semelhante ainda os consegue fascinar. E é assim que está certo - uma vez que podemos , a cada instante, pôr termo à vida: podemos não viver.
 
Pode dizer-se, em relação a certos homens, que em todas as circunstâncias, felizes ou não, é sempre preferível morrer em vez deles. Mas a partir do momento em que vivem, são obrigados a aceitar, tanto o ridículo como o sublime. Não nos enganemos, porém! Pode-se sempre descobrir o ridículo no sublime - do contrário existem poucos exemplos.
 
 

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