Presépios: das origens à actualidade
Da representação viva do nascimento de Cristo inaugurada por São Francisco até à simplicidade contemporânea, passando pela figura barroca do «dorminhoco»
Na véspera de Natal de 1223, São Francisco de Assis armou pela primeira vez a representação da cena do nascimento de Cristo, o presépio, recorrendo a figuras vivas.
A ideia partiu de um convite feito pelo santo aos fiéis de Rieti, actual Itália, para com ele celebrarem o Natal na missa, tendo sido nesse contexto que foram adicionados outros elementos, sobretudo animais, explicou o frei Hermínio Araújo ao programa da Igreja Católica na Antena 1, que durante cinco dias foi dedicado aos presépios.
“O Menino frágil e pequenino suscitava no coração de São Francisco todo um mecanismo de ternura e afecto”, refere o religioso, para quem “a forma como a comunidade cristã procura celebrar o Natal não é tanto a partir da lógica da razão, mas sobretudo da lógica do coração”.
Séculos depois, o presépio barroco tornou-se um “teatro do mundo” com “figuras, cenários e paisagens elaboradas”, refere Mons. Arnaldo Pinto Cardoso.
A representação está concentrada num “evento extraordinário e único”, o nascimento de Jesus, “referência essencial sem a qual o presépio não existe”, a que se acrescentam “cenas da vida real, como praças, fontanários, obeliscos, casas e povoações”, onde “nada praticamente escapa”.
O autor do livro “O Presépio Barroco Português” realça a figura simbólica do “dorminhoco”, um homem “alheado de tudo” que evoca a desatenção à novidade do nascimento de Jesus.
Actualmente, sublinha o especialista, observa-se uma evolução para a simplicidade: à descoberta de que “o essencial” do Natal “está nas três figuras” de Jesus, Maria e José, juntam-se “razões de ordem pragmática”, como a falta de espaço para a instalação de presépios teatrais e a carência de meios económicos para adquirir essas peças.
A simplicidade é precisamente uma das características dos presépios construídos por artesãos portugueses, como é o caso de Zé Augusto, um dos mais antigos ceramistas de Aveiro: “É uma coisa que nos cai no espírito, que associamos à festividade do Natal e à família. É uma atracção que surge sem nós nos apercebermos”, afirma.
O Natal é para Zé Augusto um tempo em que os sentimentos se misturam: “Para muitas pessoas é maravilhoso, enquanto que para outras é de uma tristeza imensa”, diz, enquanto recorda tempos difíceis na infância: “Fui-me deitar muitos natais sem comer”.
As figuras de Pedro Riobom, artesão no Porto, “têm vida, contam uma história” e um “bocadinho” da sua alma enquanto criador por trás do barro.
“Representam um pouco daquilo que eu faço no dia-a-dia, aquilo que eu sou e que transmito aos meus bonequinhos: a minha cultura, os meus desgostos, as minhas alegrias. Está lá tudo”, afirma.
Leandro Coutinho, mestre de ourivesaria em Gondomar, inspira-se na Bíblia e em pinturas para as suas peças em chapa de prata.
“O grande pormenor é a mão segura do gravador. É um trabalho tão sensível, que se lhe falha o buril dá cabo da peça e tem de fazer outra”, refere este artesão, para quem o presépio evoca “a união da família”.
Para Maria Teresa Mendes, a “arte de embelezar presépios” começou há 10 anos, com a apanha de líquenes, cascas dos pinheiros e musgos”, passando mais tarde para cortiças, terras e “florinhas delicadas de papel”.
A artesã conta que está agora numa fase em que enrola “pequeninos rolos de papel”, como se fosse “a verdadeira filigrana de ouro”.
Sem comentários:
Enviar um comentário