Mulherzinhas - Texto recolhido em «As Leituras de Madame Bovary»
Constatei recentemente que me comporto com os livros como uma mulherzinha. Um de cada vez, nada de promiscuidades.
A relação exclusiva intrigou-me. Nunca fiz da fidelidade estandarte e confesso, sem qualquer orgulho ou pudor, que atraiçoei várias ideias e amantes apenas pelo doloroso prazer de trair (quem precisar de instruções neste prazer, procure-os n’ A Insustentável Leveza do Ser e preste redobrada atenção à personagem Sabina).
Porquê então um só livro de cada vez à cabeceira? Por que razão quando um livro me aborrece jamais o troco temporariamente por outro? A este propósito recordo a leitura difícil d’A Educação Sentimental do Flaubert, uma leitura carregada de tédio, como convinha ao tema, que suportei estoicamente. No final, a teimosia foi recompensada e o livro tornou-se um dos meus favoritos. A monogamia é assim: às vezes compensa, outras não.
Iniciei Anna Karénina, ocupada por estes pensamentos. Embora desejasse consumar a leitura para poder ter um veredicto estético, a beatice do Tolstoi aborrecia-me profundamente. Além disso, noite após noite via gorada a minha expectativa de encontro com a Karénina, incapaz de lhe sentir a carne, propositadamente mantida à distância pelo pince-nez do narrador. Estavam portanto reunidas as condições ideais para que a putaria começasse.
E começaram assim que as reflexões agrárias de Lévin me arrefeceram. Ansiosa, corri novamente para os braços de Salinger, contente por encontrar em Franny e Zooey ar puro e um velho problema conhecido: como viver bem com uma inteligência cortante? Desta feita, ao contrário do que sucedeu com Hamlet e com toda uma galeria de personagens desfeitos pelo pensamento, voltei com uma resposta, que não o corriqueiro binómio anestesia/entretenimento.
Constatei recentemente que me comporto com os livros como uma mulherzinha. Um de cada vez, nada de promiscuidades.
A relação exclusiva intrigou-me. Nunca fiz da fidelidade estandarte e confesso, sem qualquer orgulho ou pudor, que atraiçoei várias ideias e amantes apenas pelo doloroso prazer de trair (quem precisar de instruções neste prazer, procure-os n’ A Insustentável Leveza do Ser e preste redobrada atenção à personagem Sabina).
Porquê então um só livro de cada vez à cabeceira? Por que razão quando um livro me aborrece jamais o troco temporariamente por outro? A este propósito recordo a leitura difícil d’A Educação Sentimental do Flaubert, uma leitura carregada de tédio, como convinha ao tema, que suportei estoicamente. No final, a teimosia foi recompensada e o livro tornou-se um dos meus favoritos. A monogamia é assim: às vezes compensa, outras não.
Iniciei Anna Karénina, ocupada por estes pensamentos. Embora desejasse consumar a leitura para poder ter um veredicto estético, a beatice do Tolstoi aborrecia-me profundamente. Além disso, noite após noite via gorada a minha expectativa de encontro com a Karénina, incapaz de lhe sentir a carne, propositadamente mantida à distância pelo pince-nez do narrador. Estavam portanto reunidas as condições ideais para que a putaria começasse.
E começaram assim que as reflexões agrárias de Lévin me arrefeceram. Ansiosa, corri novamente para os braços de Salinger, contente por encontrar em Franny e Zooey ar puro e um velho problema conhecido: como viver bem com uma inteligência cortante? Desta feita, ao contrário do que sucedeu com Hamlet e com toda uma galeria de personagens desfeitos pelo pensamento, voltei com uma resposta, que não o corriqueiro binómio anestesia/entretenimento.
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