terça-feira, 27 de maio de 2014

O cavalo preto - Conto de Daniel Teixeira


O cavalo preto - Conto de Daniel Teixeira 

Ali, à minha frente, havia um cavalo preto que rodava. Depois veio um pequeno cão que ladrou correndo desde o portão todo verde escuro da casa amarela. E ali ficou ladrando, perto do cavalo preto. Indiferente, na sua majestade, pensei eu, ficou o cavalo.

 E eu pensando o que o cavalo não poderia pensar: o que representará para um cavalo um cão pequeno que ladra? Nada, um pequeno cão ladrando a um cavalo não deve representar nada porque não há nada para ele lhe poder representar: o que interessa ao cavalo é a sua quase mecânica do pastar e aquele resfolgar reflexo que afasta o cão poucos metros cada vez que ele irrompe.

 Era lustroso o pescoço do cavalo. O pescoço e o dorso e o cavalo todo brilhavam sob o sol já fraco do entardecer. E as suas crinas eram lindas. Pareciam ondas brilhando no claro escuro do vento derramando-se sobre o seu pescoço e a sua testa. Era um belo cavalo, sim senhor, era mesmo um belo cavalo.

 Era ainda cedo para o cavalo, sei que era cedo, porque os cavalos que pastam recolhem-se ao por do sol e aquele era sempre recolhido ao por do sol. A rapariga vinha, punha um cabresto de corda no cavalo, arrancava a estaca, enrolava a corda à volta da estaca e saltava para o dorso do animal. Mas era cedo para ela vir e talvez já não fosse assim tão cedo para mim.

 Quase todos os dias a via, calças azuis, botas de feltro, quadris bem modulados e uma blusa ligeira que me fazia adivinhar-lhe os bicos dos seios. De andar resoluto, compenetrada, nunca olhava para cima, para mim. E eu tanto olhava para ela.

 Ali, atrás de mim e em nossa casa, a Cynthia esforçava-se para se despachar e o telemóvel não parava de ir tocando: uma, duas, três, cinco, dez vezes, talvez, ou mesmo mais. Iamos a um jantar de amigos, e cada um deles ou delas marcava o ponto telefonicamente. Acho que o faziam várias vezes, cada uma delas ou cada um deles. Eu só ouvia a voz da Cynthia, por vezes abafada, por vezes nítida e o bater dos seus sapatos no soalho.



1 comentário: